A prática clientelista e o espírito do chaguismo

Por Vagner Gomes de Souza*

O arquivamento da abertura de processo de impeachment do prefeito do Rio de Janeiro demonstrou que a “velha política”, questionada pelas manifestações de 2013, tem profundas raízes no cenário carioca. Desde a fusão da Guanabara e o antigo Estado do Rio de Janeiro, o perfil político da antiga capital do país passou por uma transformação no qual a modernização conservadora em curso na ditadura militar dialogou com novas lideranças políticas pela prática do clientelismo. 

O Estado da Guanabara, transformado em capital carioca, sem direito a escolha de prefeito até 1985, conviveu com o fenômeno do chaguismo que fez uso do MDB como fiador de uma articulação da “máquina do Estado” com os setores sociais emergentes no fim dos anos 70. Foi Eli Diniz, em seu livro “Voto e máquina política” (1982), que pesquisou com profundidade esse processo político do clientelismo ao qual o voto urbano é absorvido pela máquina eleitoral, demarcando bairros sob o comando de determinados vereadores.

A prática do “favor político” seria anterior ao chaguismo e uma característica de nosso sistema político avesso à ampliação da participação das camadas subalternas. Consequentemente, décadas se passaram e os movimentos sociais do Rio de Janeiro convivem com uma representação política na Câmara de Vereadores avessa e contraditória aos novos sujeitos do século 21. Poderíamos sugerir que o governo Crivella viveria esse momento de tensão da pressão da nova política contra as forças conservadoras da velha política.

O clientelismo ganhou um potencial de “metamorfose ambulante” como estrutura que permite a transformação do espaço urbano carioca numa ampla rede de interesses do capital, seja na mobilidade urbana ou no mercado imobiliário. A prática do clientelismo político na sociedade carioca sufoca a renovação dos quadros políticos por duas gerações. Muito pouco se faz na prática da representatividade democrática. Além disso, os indicadores educacionais no Rio de Janeiro apresentam uma continuidade de elevados índices do chamado “analfabetismo funcional”. 

O Rio de Janeiro, de uma cidadania vinculada ao espírito público, foi se transformando, a partir da década de 90 do século passado, num território de sujeitos empreendedores. O perfil desse carioca mais distante dos órgãos públicos se sente na desordem urbana nas ruas e na privatização da segurança pública pelas milícias. Essa vertente liberal e popular ganhou um enquadramento religioso nas igrejas pentecostais com a propagação da teologia da prosperidade. 

A associação entre a religião e a política tornou-se muito mais presente no cotidiano da política carioca. A máquina pública do clientelismo se associa, agora, às engrenagens dos templos religiosos, com forte potencial de ampliar a base eleitoral de lideranças políticas com suas velhas práticas. O chaguismo garantiu sua refundação no associativismo da fé. A cidade fica com as manifestações culturais afrodescendentes sufocadas, pois emerge uma nova liderança política religiosa defensora de valores conservadores. Portanto, as próximas eleições no Rio de Janeiro serão fundamentais para ver o grau de resistência democrática do espírito cosmopolita do carioca.

* Mestre em Sociologia e professor de História