Mulher interrompida

Por LÍDICE LEÃO*

O termo é em inglês: “manterrrupting”. Mas a atitude é universal: uma mulher está em uma reunião de trabalho, começa a discorrer sobre algum assunto profissional que ela entenda tão bem quanto todos os homens presentes no local, quando, de repente, como se fosse a coisa mais normal do mundo, um dos colegas a interrompe – sem pedir licença ou desculpas – e segue falando sobre o mesmo tema, sem acrescentar conteúdo algum, mas com um peso muito maior: “a autoridade masculina”. As demais pessoas que participam da tal reunião viram-se para ele – o homem – e dirigem ao colega todas as atenções, sem perceber o quão foi machista, grosseiro, ou mesmo mal educado, ao interromper a parceira sem cerimônia alguma. Levante a mão a mulher que nunca foi vítima desse ato sexista. Pois é... ninguém levantou a mão. Porque todas as mulheres já foram vítimas do “manterrupting” pelo menos uma vez na vida. Agora levante a mão o homem que já praticou ou presenciou esse ato machista. Pois é... novamente ninguém levantou. Simplesmente porque, se fizeram ou presenciaram, muito provavelmente nem perceberam, tamanha a normalização desse tipo de atitude.

O “manterrupting” começou a ser amplamente discutido quando, no debate presidencial entre Donald Trump e Hillary Clinton, várias pesquisas contabilizaram mais de cinquenta interrupções feitas por Trump às falas de Hillary contra menos de vinte vindas da parte da candidata em noventa minutos de embate. O neologismo “manterrupting” surgiu em 2015, em um artigo publicado no jornal “The New York Times”. O texto citava um estudo feito por psicólogos da Yale University, que mostrava como senadoras americanas se pronunciavam muito menos que parlamentares homens, mesmo que eles ocupassem posições inferiores.

Os autores do artigo – Sheryl Sandberg, a chefe operacional e primeira mulher a ocupar o conselho administrativo do Facebook e que figura no ranking das dez mulheres mais poderosas do mundo, e o professor de negócios da University of Pennsylvania Adam Grant – explicam que, de acordo com vários estudos, quando uma mulher fala em público, ou ela mal é ouvida ou é considerada agressiva. Quando é um homem que diz exatamente a mesma coisa, da mesma forma e no mesmo tom, os colegas não só o ouvem com atenção como também apreciam a forma e o conteúdo do que ele fala. Quer saber a constatação mais triste? As próprias mulheres interrompem mais uma interlocutora do mesmo gênero do que um pronunciamento masculino. Ou seja, o sexismo está embutido em toda a sociedade. Há, ainda, muito trabalho pela frente para derrubar a parede que separa os gêneros e coloca o masculino em solo mais alto e mais rico que o feminino. E não há lugar para eufemismos: a interrupção da fala de uma mulher – que sempre vem acompanhada de desrespeito, diminuição e desmerecimento – é, também, um tipo de violência psicológica.

Existem mais homens do que mulheres no mundo – a medida da população global é de 101 homens para 100 mulheres – mas em muitos países, inclusive aqui no Brasil, a população feminina é maior que a masculina. Em território brasileiro, as mulheres são mais da metade da população em idade ativa – 52,3%. Menos de 44% por cento delas estão no mercado de trabalho. O dado mostra que o caminho da igualdade ainda é longo, mas as mulheres já começaram a trilhar e a atropelar muitas atitudes machistas. O próximo passo é não se calar diante de atos de “manterrupting” e, principalmente, ficar atentas para não praticá-los. Empatia e gentileza não fazem mal a ninguém. O alerta vale também para os homens que queiram ajudar a derrubar mais uma parede de concreto cinzento construída historicamente entre os gêneros. 

* Jornalista