O Juízo Final de Deus sobre Lula
Ao apreciar a consulta que lhe houvera sido formulada pelos ilustres patronos da defesa de Lula, o insigne José Afonso da Silva proferiu alentado parecer (27 páginas) trazendo à baila o princípio da “presunção de inocência” que, segundo tão prestigiado jurista, encontrar-se-ia contido ou albergado no artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, dentro na conformidade assim enunciada: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Todavia, culpa e inocência afiguram-se conceitualmente díspares e opositoras, porquanto dotadas de significados totalmente diferentes e opostos. Alguém, por acaso, confundiria a culpa e a inocência em qualquer discussão e/ou “briga de rua”? Quem, por acaso, fosse acusado de “xingar a mãe” não iria sofrer reação do então ofendido? Culpado ou inocente? No mundo jurídico não pode ser diferente, de modo algum, em se tratando dos princípios da “culpabilidade” e da “presunção de inocência”, conforme ora queremos tratar.
Advogados que somos ou apaixonadamente advogados, melhormente dizendo e confessando, findamos por ceder à irresistível tentação de debater, controverter, dissentir ainda que tenhamos de assim proceder perante dois eminentes brasileiros por quem nutrimos admiração e respeito imensos (sempre crescentes) como soem ser o retrocitado parecerista e o ministro Celso de Mello.
Ao trazer à baila a doutrina de Konrad Hesse para fundamentar seu douto parecer, sucede, porém, que o próprio José Afonso incorre no equívoco apontado por tão prestigiado jurista alemão. Referimo-nos, pois, à assertiva doutrinária lá contida, com a qual concordamos, segundo a qual a Constituição escrita, ou seja, o texto expresso constitui o limite insuperável da interpretação constitucional, já que “exclui um rompimento constitucional – o desvio do texto em cada caso particular – e uma modificação constitucional por interpretação”.
Por conseguinte, em contrapartida à nossa anuência, rogamos “concessa maxima venia” para divergir da intentada “modificação constitucional por interpretação” dotada da finalidade de tornar igual o que desigual é. A água não se mistura com o azeite, conforme curialmente se sabe, nem a inocência com a culpa a fim de poder ser transformado ou convertido o “princípio da culpabilidade” em “presunção de inocência”, de modo a que possa o último se sujeitar, então, a “trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
A presunção de inocência não mais subsiste após o julgamento colegiado de 2º grau nas instâncias estadual ou federal regional, em virtude do Recurso Extraordinário Interponível (a título de contrariedade) não mais poder suscitar controvérsia sobre os fatos adrede investigados e então já suficientemente comprovados (matéria fática), sendo certo que “não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo Recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”, ex-vi do artigo 637 do Código de Processo Penal.
O artigo 105 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 (institui a Lei de Execução Penal), não contém o elastério no parecer em comento, segundo o qual, “verbis”: “A execução provisória carece, pois, de fundamento legal, tanto em nível ordinário quanto em nível constitucional. Isso porque, após a edição da Lei 7.21084 (...), está vedada qualquer forma de execução provisória das penas, uma vez que, no art. 105 dessa legislação, estabeleceu-se que a pena privativa da liberdade somente será aplicada ‘transitada em julgado a sentença”.
Em verdade, a leitura do colacionado dispositivo legal convence-nos de que: “transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso (hipótese prevista no art. 637 do CPP – o parêntesis é nosso), o juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução” (sic).
O ilustre e respeitável parecerista admite constituir um princípio à denominada “presunção de inocência”, assim como também o é a “culpabilidade”. Adota, pois, a “ponderação” advogada por Robert Alexy, de modo a poder preponderar um dos princípios constitucionais naquela determinada circunstância como soe ser a presente, em a qual a política não deve ingressar pela porta do Supremo Tribunal Federal, de modo algum, porquanto a Justiça fugiria espavorida pela janela, segundo o pensador e político francês François Pierre Guillaume Guizot (1787-1874).
Luiz Inácio Lula da Silva é culpado a partir do julgamento colegiado do Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região, sufragando as conclusões judiciais advindas de robustas provas oral, documental e pericial contra ele produzidas. Hodiernamente, a indigitada culpa poderá sofrer modificação ou não por meio da interposição de Recurso Extraordinário, cujo indeferimento acarreta o condão da imutabilidade relativo à sentença condenatória então tornada definitiva.
Outrossim, a partir daquele colacionado julgamento a nós, seres humanos, não mais compete julgar o coração do réu já preso. Todos eles, sem exceção, juram inocência. Servem de exemplo Marcola, Fernandinho Beira-Mar e tantos outros, cuja fama ultrapassa as grades do presídio.
O julgamento da inocência deles compete a Deus, isto sim. Não se atrevam os homens, pois, a cometer o que nem o capeta ousaria. Cuidem de proceder como recomenda o padre Antonio Vieira (1608 – 1697) dotado de oratória sacra superior à de Jacques-Bénigne Bossuet (1627 – 1704), além de equiparado a Luís de Camões (1524 – 1580) no domínio vernacular da Língua Portuguesa. Ele abordaria com maestria o tema, dessa vez sob o enfoque do livre arbítrio, da consciência humana ou do pensamento individual através do extraordinário sermão da 2ª Dominga do Advento.
Concluímos, pois, nas poucas linhas de que dispomos, que a intenção da defesa do ex-presidente seria a de praticar o que nem o capeta ousaria como soe ser o de ler o coração de Lula (“presumivelmente” inocente) e atirar às favas ou ao limbo tanto o comprovado dolo quanto a coisa julgada formal sobre a culpabilidade dele.
* Advogado
