Dúvidas e certezas
Algumas pessoas são muito seguras e convictas de suas ideias, enquanto outras se permitem ter dúvidas e estão dispostas a reavaliar o que pensam. A maioria dos filósofos defende a opinião de que dúvidas são mais saudáveis do que certezas. Ter dúvidas permite uma possibilidade de reflexão sobre o tema examinado, enquanto que a certeza esgota o assunto. Quem já sabe não precisa aprender.
Costuma-se dizer que dúvidas são mais saudáveis do que certezas e nos levam mais longe. É sempre bom escutar o que o outro tem a dizer, principalmente quando difere do que pensamos, pois pode nos acrescentar alguma coisa. Os que concordam conosco apenas reforçam nossas crenças, mas não contribuem para a evolução de nossa reflexão. Há uma importante diferença entre uma reflexão e uma crença. A primeira é fruto de um esforço para pensar, enquanto a outra tem a ver apenas com informações que recebemos e que mantemos sem muito refletir sobre elas. As ideias que construímos através do pensar são conceitos conquistados enquanto os outros são somente adquiridos ou herdados.
Hoje estamos vivendo uma sociedade onde as certezas imperam e são manifestadas de uma forma estranhamente agressiva, muitas vezes violenta. Está havendo uma tendência cada vez maior para o radicalismo das opiniões que são emitidas com extrema ênfase. Este fenômeno tem sido constantemente denunciado e lamentado, e apesar disto continua mais e mais intenso.
A meu ver, a mudança que houve no mundo contribuiu para isto. Até um século atrás, havia muita certeza em relação ao futuro provável. As pessoas se casavam, por vezes compravam alguns móveis, iam morar numa casa e tinham a expectativa de lá morar, com aqueles mesmos móveis, com aquela mesma pessoa, com aquele seu mesmo trabalho para o resto da vida.
Quando surgiu o telefone, o velho e bom aparelho quadrado e preto que ficava junto a uma parede, o grande progresso, depois de muito tempo, foi a aparição de um fio longo que permitia que ele fosse levado para outro lugar. As mudanças eram poucas e ocorriam lentamente. Eram certezas reconfortantes em face à inevitável necessidade de se ter de lidar com um futuro como sempre cheio de imprevistos e surpresas. Pelo menos algumas coisas eram certas e seguras.
Isto não ocorre mais na sociedade atual. Nós sequer sabemos quais vão ser os instrumentos – equipamentos e aplicativos – que usaremos para nos comunicar com os outros daqui a cinco anos. Alguns daqueles que usávamos há cinco anos nem existem mais. O alimento que fazia mal agora faz bem, o que fazia bem está condenado, o que era certo já não é mais, e assim por diante.
O não saber direito o que está acontecendo e muito menos o que vai acontecer gera enorme incerteza no sentimento das pessoas. A necessidade de alimentar nossa alma com alguma certeza nos leva à adoção formulações rígidas, e o fazemos de forma muito ansiosa, com emoção e excessiva violência. Assim, muitas pessoas ficam agressivas na defesa de suas ideias. Penso que aceitar uma certeza, acreditar em alguma coisa com convicção, é parte do processo da construção de um oásis de segurança em um mundo de incertezas. Então corremos o risco de nos apegarmos a esse pequeno espaço, o que pode nos privar da capacidade para pensar e evoluir em nossa percepção da realidade. Bem, essa é minha opinião.
