A corrupção, enquanto um fenômeno político e social poderia ter seu primeiro capítulo escrito junto com o inicio da humanidade. A tentação da serpente sobre Eva pode ser caracterizada como um ato de corrupção num sentido mais amplo do termo.
Em diversos momentos das nações governantes, súditos, servidores públicos, comerciantes e negociantes estrangeiros foram protagonistas de atos, ações e tentações de obtenção de vantagens indevidas, quer sejam em forma pecuniária, como bens materiais ou em cargos ou favores em troca de um beneficio comercial, de uma concessão ou de um monopólio.
Entre nós há uma clássica obra atribuída ao Padre Antônio Vieira, que discutiu, a seu tempo, a nobre "Arte de Furtar". Da mesma forma se interessaram pelo tema autores ilustres como Dante Aligheri, que reservou lugar privilegiado no inferno aos governantes que recebiam "propinas". Willian Shakespeare tratou o assunto como o maior mal da terra e enquadrou a corrupção como sendo uma doença que enfraquece o governo de uma nação, que, se não combatida com firmeza e determinação, pode deteriorar o caráter e a honra de um povo, sendo responsável pela sua destruição moral e decadência. Atribuindo à rigidez do povo inglês para com as violações e deslizes dos servidores do estado a principal explicação para o que definia como a superioridade dos valores da gente inglesa quando comparada como seus rivais continentais, Napoleão Bonaparte, naquela considerada sua principal obra para historia da França, o Código Civil de 1804, reservou capítulo especial aos atos de "sabotagem ao Estado" como definia a matéria, enquadrando os funcionários corruptos como verdadeiros traidores da pátria.
A experiência de Thomas Jefferson, na corte francesa, alertou ao fundador da república americana, sobre a relevância do tema, ao ponto de contribuir para a sugestão do então embaixador nas cortes de Luis XV, aos constituintes da Convenção da Filadélfia, da oportunidade da inclusão de um artigo na carta magna, com o dispositivo de enquadramento da prática de corrupção como um dos motivos para o processo de impedimento de um presidente e razão para sua deposição, tendo nesse ato inaugurado na constituição das modernas nações a prática de prestação de contas do uso do dinheiro público e das ações de um governante enquanto mandatário de um cargo publico. Bismarck, por sua vez, atribuiu à rigidez do comportamento da burocracia prussiana o sucesso na unificação da Alemanha. No século XX, a prática e as atividades enquadradas como corrupção ganharam dimensões nunca antes imaginadas, como têm revelado recentemente diversos trabalhos acadêmicos e relatórios.
A Rússia foi protagonista de um importante case após o desaparecimento de US$ 4,5 bilhões do empréstimo do FMI para sustentação do Rubro. Desde então, o FMI tem tornando como obrigatória a apreciação de salvaguardas para a liberação de recursos, a sua disciplina do uso, assim como o combate aos vazamentos, entre as discussões dos programas de ajuda do Organismo, item ao qual o Banco Mundial dedicou um relatório especial em 1998, sendo considerado o combate à corrupção como um importante ponto a ser eliminado pelos países em desenvolvimento. O controle dos mecanismos de desvio de dinheiro público é um importante elemento no combate ao desperdício e ao subdesenvolvimento.
Contudo, como nos revela Maquiavel em "O Príncipe", o demônio se revela é nos detalhes e o combate à corrupção nem sempre é tarefa fácil, primeiro pela dificuldade de caracterização, segundo pelos mecanismos sofisticados que estão à disposição das atividades ilícitas ou criminosas, como a lavagem de dinheiro e mecanismos semi-oficiais de salvaguardas das ações dos políticos. A legislação de vários países desenvolvidos não enquadra o crime de corrupção como sendo passível de extradição ou de motivo para a abertura de contas especiais em instituições financeiras, sendo necessária a comprovação de outros crimes (antecedentes), com sentenças transitadas em julgadas, para a tipificação de um crime passível de apreciação pelas cortes de justiça, em caso de pedidos de extradição de funcionários corruptos a pedido de governos de países que se julgam vitimas de atos praticados, daí a relativa facilidade com que governantes e funcionários públicos conseguem obter vistos de permanência e até levarem vidas tranquilas mesmo em países onde os direitos civís apresentam grandes conquistas, como nos Estados Unidos (Flórida), na França e na Inglaterra.
A primeira e grande tarefa na eliminação da corrupção é a definição e o enquadramento da atividade, quem são os sujeitos ativo e passivo, quais os tipos objetivo e subjetivo, suas implicações e a materialização das vantagens auferidas.
A mais popular e simples definição de corrupção, e usada pelo Banco Mundial, é a de que é o ato ou a prática de uso do poder público para a obtenção de benefícios privados ou a obtenção de benefícios privados de forma não legal por ação de um agente que detém poder publico, mediante o pagamento de comissões, doação de bens ou facilidades ou pelo uso de instrumentos e meios fraudulentos com a conivência de agente detentor de poder publico. Como resultado dessa tipificação, a atividade de corrupção não se aplica nas ações praticadas exclusivamente entre particulares, só sendo passíveis de enquadramento as atividades privadas reguladas, outorgadas ou concedidas pelo Estado, onde reside uma importante fonte de corrupção indicada por todos os estudos feitos por pesquisadores da matéria, apontando o financiamento de campanhas políticas e a adoção de candidatos ou partidos por grupos de interesse econômicos. Essa distorção foi particularmente importante na explicação das causas de desvios do interesse público em países latino-americanos e na Itália em particular, sendo responsável por distorções no sistema representativo e na baixa qualidade do legislativo e pela pouca eficiência dos enforcement dos tribunais.
Os atos relacionados ao crime de corrupção, ativa ou passiva, podem ser classificados ou enquadrados de diversas maneiras e categorias. As principais são de natureza: burocrática (atomizada) ou política (concentrada), redução de custos privados ou apropriação de benefícios públicos, mediante coerção ou por meio de conluio, de forma centralizada ou descentralizada, negociada ou arbitrária e em espécie monetária ou não.
O crime de corrupção está associado aos desvios das atividade típicas do Estado e em especial às funções que exigem monopólio e poder discricionário, mas ao longo dos últimos anos um importante foco de distorções tem sido observado em vários países. Em decorrência da globalização financeira e dos processos de liberação econômica, diversos monopólios estatais transformaram-se em empresas privadas operando em regimes de baixa concorrência (duopólio ou cartéis). Tanto no processo de privatização como na atividade de regulação e fiscalização a figura da capturação tem sido observada. O Estado regulador que sucedeu ao Estado produtor pode ser fonte de distorções sobre a atividade empresarial com nefastos efeitos. Regulação e autorizações de funcionamento como concessões de serviços públicos podem representar "licenças de extorsão" e cartórios de burocratas.
Recentemente, um trabalho patrocinado por uma organização não governamental constatou que, em um País asiático, as licenças de funcionamento para empresas comerciais podiam ser oneradas em até US$ 250 mil por atos de procrastinação de servidores públicos, podendo a aceleração das autorizações de funcionamento representar a possibilidade de atraso em até cinco anos no retorno do capital investido.
Uma das características do processo de corrupção é que ele normalmente tende a representar maior custo relativo às pequenas e médias empresas, justamente por estarem mais próximas do arbítrio dos agentes públicos, por disporem de pouca densidade política, baixa representatividade junto ao poder legislativo. Além disso, em geral, não costumam obter as mesmas condições para o exercício do devido direito de defesa, que as grandes organizações.
Pesquisas internacionais, incluindo 147 países do mundo, constatou que a corrupção pode ser responsável pela oneração em até 25% na alíquota marginal de impostos, representado um aumento de 15% no custo de capital de empresas que têm o governo como principal cliente. Na Europa, especialmente na França e na Itália, programas de combate à corrupção obtiveram a redução de 15% nos custos das obras públicas e um aumento de 8% nas receitas de concessões.
Como resultado da constatação encontrada, podemos afirmar que um dos efeitos da corrupção é que ela funciona como um imposto, e de fato a ocorrência de alíquotas ou custo de intermediação e comissões para liberação de vantagens tendem a ser mais elevados justamente em países que apresentam sistemas tributários com baixa eficiência, seja por falha normativa ou pela existência de benéficos fiscais cruzados e alíquotas diferenciadas de impostos. A corrupção é resultante direta de sistemas tributários pouco eficientes e as vantagens auferidas pelos corruptos costumam representar perda efetiva de arrecadação, sendo responsável pela fragilidade fiscal de diversos países. Na Rússia, por exemplo, a receita de impostos diretos arrecadados pelo governo central representa somente 12% do PIB, contra uma média mundial de 24% e 32 % para países com baixo índice de corrupção. Em números, a perda de eficiência da máquina estatal russa e a conseqüente fonte de arrecadação de receitas da chamada máfia da burocracia pode ser estimada em US$ 60 bilhões ao ano, o suficiente para o resgate integral de toda a dívida externa do país, em alguns anos.
Outro exemplo de distorções causadas por mecanismos de corrupção dentro do Estado podem ser atribuído às perdas impostas pelo antigo Presidente da Indonésia, ao longo dos seus 24 anos de governo. Dados divulgados por agência especializada em medição de indicadores de corrupção apontaram em cerca de US$ 42 bilhões o valor total de desvios e perdas da economia na era Suharto.
Todavia, nem só de terceiro mundo vivem as fontes de corrupção. O próprio congresso americano, no final do século passado, constatou, em relatório sobre comercialização de armas por empresas americanas, a existência de uma alíquota média de 15% de comissão paga a membros de governos e militares de diversos países como retribuição de gentilezas e gestos de boa vontade, mesmo sendo crime o pagamento de propinas de qualquer tipo e espécie por empresa americana com o objetivo de auferir recompensas comerciais. Detalhe importante é que por ser crime tal prática por parte de empresas com agentes externos, o pagamento de comissões não é passível de dedução no imposto de renda, o que não ocorre em outros países do mundo. Na Europa, onde tais práticas não eram consideradas ilegais, com as mudanças recentes nos códigos civil e penal, de alguns países, foi possível identificar em balanços de grandes organização os valores pagos a título de comissões que ate então eram passíveis de dedução como despesas no imposto de renda das empresas, daí a possibilidade de descobrirmos que, no ano de 1998, as empresas francesas pagaram cerca de US$ 2,5 bilhões em comissões e as alemãs US$ 4,5 bilhões.
Mas, afinal, qual a causa da corrupção e como ela pode ser combatida? A corrupção é um mal do sistema político e dos gestores do estado; um desvio de conduta de alguns funcionários públicos e sua origem pode ser creditado aos desvios de caráter de natureza particular ou até mesmo de origem endêmica; ou seja, pode ter motivações culturais. Em alguns países do mundo a prática de corrupção pelos governantes não só é tolerada como aceita institucionalmente. Um exemplo é a secular pratica de eleições fraudulentas no México. Cálculos realizados por uma grande empresa de auditoria multinacional operando no México identificaram em 5% a alíquota marginal de impostos e contribuições paga por empresas de grande porte a políticos ou funcionários públicos em troca de favores de diversos tipos. Essa tributação extra representa um acréscimo de 3% ao custo médio de capital para as empresas mexicanas quando comparado com as empresas que exportam para o México, tendo como base países com baixo índice de corrupção. No continente africano, estimativa de agências privadas sobre praticas de corrupção por parte de governantes encontrou um percentual de 70% de desvio de verbas no orçamento das rubricas sociais que tinham como origem doações e ajudas internacionais.
A corrupção traz como consequência a elevação dos custos de capital para as empresas com impacto sobre os custos e preços dos produtos, diminuição da eficiência e perda de competitividade, além de distorções na remuneração dos fatores de produção, uma dos efeitos na queda na remuneração dos trabalhadores e na diminuição da receita do governo com impactos sobre os serviços públicos como educação e saúde e apropriação da oferta de bens públicos por segmentos da população em detrimento da maioria (segurança publica), sendo, portanto, uma importante fonte de desequilíbrio no processo de busca e manutenção de desenvolvimento sustentável, tendo inclusive efeitos sobre o meio ambiente na medida em que desmatamentos, poluição ambiental e ofertas de bens poluentes por empresas podem acontecer em função de contribuições de campanha ou doações a funcionários públicos e burocratas.
A mensuração dos custos da corrupção não se esgota nos números de perda de receitas do governo, nas distorções ambientais ou na elevação do custo das empresas. O Banco Mundial, em diversas vezes, tem manifestado análises das distorções quasi-fiscais e aos chamados custos indiretos, que podem ser explicitados na possibilidade de membros dos diversos poderes estarem envolvidos em operações ilícitas acarretando distorções institucionais a médio e longo prazo, com perda da confiança nas instituições e nos instrumentos de representatividade política. A democracia pode não conseguir ser o instrumento de representação autêntica dos desejos da população quando os partidos usam por práticas a obtenção de fundos ilícitos, do mesmo modo que o judiciário pode ser envolvido em interesses difusos que prejudicam o funcionamento e a qualidade de seus julgados.
Mas como combater a corrupção ? Esta é uma difícil tarefa, pois a pratica tem demonstrado que o sucesso no combate às causas das fontes de corrupção é um processo lento que dura mais de uma geração e basicamente começa por uma ampla reestruturação do estado, com diminuição de suas funções e a privatização de empresas estatais. O processo de diminuição do tamanho do estado na economia deve ser feito com total transparência. Não deve haver a transferência de monopólios estatais para a iniciativa privada sem que haja uma efetiva e clara regulamentação das atividades. A burocracia estatal deve ser diminuída com a extinção de cargos e privilégios de qualquer espécie que configure a formação de um estamento dentro do estado.
Os funcionários públicos devem ser treinados e valorizados com a formação de carreira e a premiação por eficiência. Não basta a majoração das penas decorrentes da corrupção. É de fundamental importância um aumento na eficiência dos tribunais. O Judiciário deve cobrado a dar explicações quando tomar decisões inconsistentes ou fora de valores aceitáveis, firmando um verdadeiro principio de accountability. A legislação eleitoral deve prever a punição, ou a proibição, do financiamento de campanhas por grandes grupos econômicos e limitar as o valor maximo de uma contribuição individual; preferencialmente, devem existir fundos públicos no financiamento de partidos políticos, com critérios para a distribuição dos recursos.
Todas as restrições à livre movimentação do capital e do credito devem ser extintas. A existência de barreiras comerciais ou licenças especiais para a implantação de projetos direcionados a grandes empresas podem constituem fontes privilegiadas para as imperfeições e devem ser dada transparência.
Um importante elemento na reforma do Estado é a extinção de concessões por privilégios e critérios políticos não transparentes, principalmente as que envolvem os órgãos de comunicação.
Outra ação indispensável é o combate sistemático e constante com o mercado e o tráfico de drogas. Devido à grande capacidade de acumulação de renda, essa atividade representa a maior fonte potencial de corrupção dentro do estado.
Por fim, a reforma do estado deve torná-lo um eficiente provedor de bens públicos atendendo às demandas sociais e sendo um importante fator de equalização das distorções de renda.
Como podemos perceber, a corrupção é um verdadeiro câncer que deve ser combatido na sociedade nos mínimos atos e manifestações. Pequenos deslizes e desvios de conduta em longo prazo convergem para a criação de um estado de convivência e degradação de valores que culminam com a destruição da confiança nas instituições e no poderes do Estado.
A diminuição de seus efeitos sobre a economia e as suas causas representam uma condição necessária ao perfeito funcionamento dos mecanismos de mercado e condição de indispensável à alocação dos investimentos e distribuição eficiente da renda, sendo responsável também pela criação de elementos de confiança e segurança aos investimentos externos. A globalização do capital força a equalização das taxas de retorno do capital entre os países, sendo, portanto, incompatível com as cunhas e distorções causadas pelas práticas de corrupção. O país que desejar receber recursos privados ou públicos (organismos multilaterais) terá que adotar programas consistentes de combate, controle e punição dos atos de corrupção. Esta talvez seja a principal consequência positiva do novo paradigma moral imposto pela realidade do capital sem fronteiras.
Rita Maria Scarponi * Advogada
René Garcia Jr ** Economista