A cada dia, a cada ato, a cada fato, aumenta a sensação de desconforto e incredulidade com a realidade em formação. Atores medíocres são protagonistas de papéis soturnos em roteiros recortados de peças funestas, formando um triste e lamentável espetáculo.
A tentativa do governo interino de apresentar uma agenda à sociedade foi prejudicada pela presença, em palanque, de personagens e conteúdo inconsistente com as expectativas de mudanças, aliado a presença de cacofonia na comunicação dos primeiros atos.
Acreditamos que, em nenhum momento aos longos dos últimos, a sociedade brasileira aprovou ou ratificou um projeto político que centrasse suas ações em uma agenda de retrocesso, tanto que a plataforma conservadora-segregacionista foi derrotada em quatro pleitos seguidos.
Não devemos confundir o clamor por mudança ética e o combate à corrupção trazido no bojo das manifestações populares – pleito vitorioso na formulação de um basta ao governo eclipsado – com uma eventual leniência com os desvios de comportamento de “antigos companheiros de farra” ou liberdade para o livre desfrute do vício, a máscara comum, que os unia, não se dissolveu na fina bruma da separação anunciada e, por sorte, torna crível a denúncia de um eventual compartilhamento do mesmo clube de afinidades, local, de práticas de camaradagens inconfessas.
Democracia, respeito às instituições e defesa das salvaguardas constitucionais são preceitos universais e absolutos. Preceitos que não dependem de escolhas de lado e/ou de ações oportunistas.
A moral republicana não deve ser vista ou propalada como uma escolha em que o “meu lado, minha turma, meus compadres” são melhores do que os outros, porque os meus e as minhas escolhas estão do lado “certo” e o inimigo imaginário ou real personifica o mal absoluto e, portanto, deve ser varrido da face da terra.
Tais comportamentos revelam a existência de um raciocínio propenso à dominância do cinismo, enquanto discurso e características de frouxidão moral e elasticidade ética em suas práxis e prosa.
Precisamos falar abertamente, e repetida vezes, que o Brasil tem que passar a limpo seu passado e romper com sua prática secular de ampla promiscuidade na política e na gestão da coisa pública, da mesma forma que a sociedade, por meios de seus carcomidos partidos políticos, deve dar espaço a novas formas de representação do voto popular, tais como os anseios de organizações e entidades sociais, criando um quadro propício para a assunção de direitos e obrigações de parcela expressiva da sociedade junto á história.
A democracia, por sua própria natureza, é um sistema de representação plural e aberto. Os atos de provocação contidos nas manifestações de primeira ordem, dos recém-apegados ao núcleo de poder, são tentativas pueris de expressão e demonstram gestos açodados de confronto, e transmitem a sensação infantil de busca de uma revanche, que toma ares de piada, quando identificamos a face de agentes menores, trazidos ao palco; seres marginais na política.
Necessitamos debater urgentemente a realidade que se desnuda e as implicações de uma possível eleição para o cargo de Presidente da República, combinado com uma constituinte exclusiva para a reforma política.
Se há elementos na alegação, formulada por alguns setores da sociedade; que a agenda apresentada pelo governo interino carece de legitimidade, todavia o discurso incongruente e anacrônico, do governo em exílio, também peca, pela forma simplória e destrutiva de sua gestão.
O desdobramento de tal cenário indica que, em breve, aliás, muito em breve, o quadro político tende a ser tragado para o torvelinho do ambiente pré-impeachment, visto no início do ano.
*Economista