Faz três anos que a fumaça branca subiu na chaminé do Vaticano e a multidão que aguardava se rejubilou. Três anos que a figura simpatico, vestida de branco e sem nenhum adereço, apareceu no balcão após o anúncio de que a Igreja tinha um Papa. Há três anos todos escutamos a impecável teologia de quem se apresentava como bispo de Roma, igreja que preside todas as outras na caridade. E que jocosamente dizia vir do “fim do mundo”. Três anos que o mundo se deslumbrou com a humildade de quem, em lugar da bênção que todos esperavam, inclinou a cabeça e pediu uma oração.
Nesses três anos de pontificado, o Papa Francisco tem feito um caminho renovador, inovador e decidido. Como era de se esperar, amado por muitos e não tão querido por outros. Porém, a marca de seu pontificado está aí, presente e inspiradora, com conquistas inegáveis. É necessário não perder de vista. Uma delas é sua teologia. Sim, o Papa Francisco tem uma teologia que preside seu agir e seus discursos. E, embora não seja um acadêmico, esta teologia é sólida e configura o seu modo de agir enquanto bispo de Roma.
A teologia do Papa vem de duas principais fontes: os Exercícios Espirituais de Santo Inácio – em cuja escola foi formado enquanto jesuíta - e a Teologia do Povo (Teologia del Pueblo), que aprendeu e viveu durante seu ministério como bispo e arcebispo de Buenos Aires, nos bairros pobres, as villas misérias, com padres e agentes de pastoral que ali davam o melhor de si para que todos tivessem mais vida.
Dessas duas fontes podemos apontar alguns pontos centrais do que seria a teologia do Papa Francisco, ou seja, sua maneira e estilo de pensar a fé e propô-la aos fiéis de Roma, de quem é pastor ordinário e também urbi et orbi, como chefe da Igreja Católica.
Da primeira – os Exercícios Espirituais- podemos destacar a centralidade da pessoa de Jesus Cristo, não somente proposto com a palavra, mas com a vida. O Papa busca atuar exatamente como o faria Jesus: aproximando-se das pessoas, tocando suas feridas, consolando, não julgando, mas amando. Quem passou pela experiência dos Exercícios de Santo Inácio sabe quanta importância dá o santo a esta contemplação próxima e afetiva da pessoa de Jesus, a fim de que o exercitante seja totalmente configurado por ela e se converta assim em outro Cristo. Podemos dizer, sem medo, que a teologia do Papa gira inteiramente ao redor de Jesus Cristo e seu Evangelho, do qual se autocompreende como mensageiro na alegria. E uma teologia cristocêntrica.
Além disso, está sua compreensão da vida cristã como fundamentalmente missionária. A espiritualidade inaciana é eminentemente apostólica e missionária, tendo como modelo e inspiração Jesus e o colégio apostólico, enviados e conduzidos pelo Espírito a anunciar a boa notícia do Reino de Deus. Nessa chave se devem entender alguns convites que recebeu para vistar “uma igreja em saída”, um “hospital de campanha” etc. Assim também algumas de suas palavras de ordem: “Quero movimento”, dirigindo-se a sacerdotes ou leigos, e animando-os a sair da zona de conforto e ir ao encontro das pessoas.
A teologia do Papa é marcada pela missão que começa no seio da Trindade com o envio do Filho e prossegue hoje com os cristãos chamados a encarnar-se inteiramente entre os pobres e necessitados de toda espécie. É, pois, uma teologia missionária.
Da experiência nas periferias marginalizadas de sua arquidiocese e da teologia do povo, destacaríamos a mística da alegria de ser povo. Aí se encontram e cruzam os Exercícios Espirituais com a teologia do povo, para configurar a teologia de Francisco. Quando fala do gozo e da alegria do Evangelho, Francisco está tratando de transmitir que o encontro com o Senhor nos rostos do povo fiel é a fonte de consolação espiritual de todo batizado, de todo cristão. Aí na comunidade eclesial, no povo santo de Deus, o cristão é chamado a encontrar-se com seu Senhor e servi-lo nos outros. Aí este mesmo Senhor se lhe revelara produzindo a verdadeira alegria, gratuita e abundante, que brota de sua espiritualidade mais profunda. É uma teologia ancorada no povo de Deus e sua mística.
A questão dos pobres e do povo como mestres e lugar iniludível de pertença e espiritualidade é outro traço de sua teologia. Segundo o Papa e por experiência própria, os pobres são mestres espirituais daqueles que os servem. Por sua simplicidade, sua esperança contra toda dor e sofrimento, sua abertura a Deus e aos outros em solidariedade ativa, os pobres desenvolvem uma verdadeira mística que só pode adquirir-se e aprender por contágio, estando imerso no meio deles, servindo-os, crendo com eles e amando-os na alegria do Evangelho.
Assim, discípulos desta teologia papal, encontramo-nos todos no umbral da entrada de Jesus em Jerusalém. Possa a teologia de Francisco ajudar-nos a segui-lo sem vaidade diante das aclamações da multidão e assumir sem medo sua via sacra. E não nos esqueçamos de agradecer a Deus que nos deu um Papa segundo seu coração. Que possamos aprender de sua teologia e traduzi-la em vida plena e abundante para todos.
* professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio. A teóloga é autora de “O mistério e o mundo – Paixão por Deus em tempo de descrença”, Editora Rocco.