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Águas, sementes e crise

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Wellington, da CPT da Paraíba, foi a um assentamento da reforma agrária. Inevitavelmente, falaram da pouca chuva e da falta de água. Acabaram falando da crise. Seu João, um assentado, falou: “Crise aqui é não ter o que comer, não poder plantar, não ter como mandar os filhos para a escola. Isso é que é crise eisso tudo não acontece por aqui. Isso é lá os caras da televisão que vivem falando. Deixa essa crise pra lá, pra eles lá que vivem dando notícia ruim, que nós aqui vamos continuar plantando e vivendo.”

A conversa foi contada por Wellington na reunião da Coordenação Nacional e local do Movimento Fé e Política, reunidas para preparar o 10º Encontro Nacional Fé Política, que vai acontecer de 22 a 24 de abril em Campina Grande, na Paraíba. O tema central do Encontro é: BEM VIVER: ÁGUAS DA SOLIDARIEDADE, SEMENTES DE ESPERANÇA.

O que seu João falou é a percepção de um agricultor sertanejo assentado que sabe distinguir o que acontece na sua vida e ao seu redor daquilo que a TV e os meios de comunicação despejam todos os dias, querendo impingir nas cabeças das/os brasileiras/os: o Brasil está quebrado, a fome voltou, o desemprego e a inflação estão astronômicos, só tem crise e corrupção neste país, não há saída senão derrubarapresidenta Dilma, nada de bom aconteceu nos últimos anos, não há futuro.

É o que disse Leonardo Boff, em entrevista à Rádio Brasil atual:“Teólogo afirma que crise econômica brasileira é mentirosa e forjada por golpistas.” Nas suas palavras: “Essa crise é em grande parte forjada, mentirosa, induzida, ela não corresponde aos fatos. Essa dramatização que se faz aqui é feita pela mídia conservadora, golpista, que nunca respeitou um governo popular. Devemos dizer o nome: é o jornal O Globo, a TV Globo, a Folha de São Paulo, o Estadão, a perversa e mentirosa revista Veja.” Segundo o teólogo, as manifestações contrárias ao governo são oriundas da parte mais rica da sociedade e que estes expressam “indignação e ódio contra os pobres, ao criticar o governo petista”.   

O povo, como seu João e os assentados, sua percepção de mundo, suas experiências de vida parece que não existem. Não estão nas páginas dos jornais e nos noticiários da televisão.Najar Tubino, em ‘AMobilização social na Chapada do Araripe – Os conhecimentos para enfrentar a seca têm sido disseminados no Araripe: ‘nós mudamos a ideia de combate á seca para a de convivência com o semiárido’ (Carta Maior), relata como foi a Caravana Agroecológica da Chapada do Araripe, em Pernambuco: “Araripe em tupi significa ‘onde o dia começa primeiro’, traduz a atitude da serra, mas hoje em dia o grande significado no sertão é a conscientização de agricultores e agricultoras, a disseminação do conhecimento da agricultura camponesa e a capacidade de enfrentar a seca, com a aplicação de tecnologias de convivência com o semiárido. Esta história é também a linha do tempo da Caatinga, a organização mais antiga que atua na região, quase 30 anos de dedicação e 10 mil cisternas de placa construídas. A cisterna é uma novidade histórica no semiárido, a transformação é visível, porque onde tem mais de uma cisterna, incluindo a da produção, a paisagem é totalmente diferente.”

Giovanne Xenofonte, da organização Caatinga, fez a Linha do Tempo de mobilização das comunidades: “As pessoas chegavam a cavalo,de bicicleta, a pé, não tinha luz. Foi um tempo difícil, que hoje em dia nós temos que repensar isso, para enfrentar o atual momento. Nós mudamos a ideia do combate à seca, para a convivência com o semiárido. Esta ideia nós conseguimos enraizar na região. Passamos a ser sujeitos da nossa história. Para mim este é o maior avanço nesses 30 anos de luta. Tanto que o programa que nós lançamos é Programa de Mobilização Social de Convivência com o Semiárido. A cisterna era o mote.”

Maria Emília Pacheco, presidenta do CONSEA, participante da Caravana, disse: “O que ocorre aqui na região e no semiárido em geral é uma nova concepção de economia, uma nova forma de intercâmbio, onde as várias formas de sabere de conhecimento são trocadas. As pessoas se mobilizam pela prática, pelo aprendizado, pela troca de sementes, de mudas, de bens. Isso tem a ver com a agroecologia e com a economia feminista, onde passa a ter uma visão de reciprocidade, cooperação, de aprofundamento das relações familiares e da comunidade.”

Este é o Brasil das águas da solidariedade e de sementes de esperança, que vai florir no 10º Encontro Nacional Fé e Política. Haverápainéis de debate sobre ‘Entendendo as crises’, Águas da solidariedade e Convivência com o Semiárido, Espiritualidade do Cuidado com a Vida. Grupos de Trabalho Temáticos terão como eixos os Grandes Projetos e seus Impactos ambientais e sociais, Decrescimento e Economia solidária, Juventudes, Mulheres, Crise Climática, Terra e Territórios tradicionais, Culturas e Protagonismo popular, Espiritualidade militante, Fundamentos bíblicos do Bem Viver, Democratização da Mídia.(Informações e contatos para quem quiser participar: www.fepolitica.org.br – [email protected]).

Há crises no mundo, América Latina e no Brasil. As práticas e experiências do Semiárido brasileiro e do povo nordestino, como também do povo brasileiro ao longo do tempo, são sinal de que é possível torná-las oportunidade, achar caminhos de sua superação, construir um mundo de igualdade, justiça. Um outro mundo possível, urgente e necessário.

O 10º Encontro Nacional Fé e Política dificilmente terá espaço na grande mídia. Mais de mil lideranças, militantes da fé e da utopia, contudo e apesar da grande mídia, reafirmarão a sociedade do Bem Viver, beberão da experiência das cisternas de placa e das águas da solidariedade, plantarão as sementes crioulas da Paixão, plenas de vida e esperança.

Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política

Diretor do Departamento de Educação popular e Mobilização Cidadã

Secretaria Nacional de Articulação Social

Secretaria de Governo da Presidência da República