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A economia em marcha lenta

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Os movimentos do Federal Reserve na política monetária norte-americana trouxeram elevada instabilidade para os mercados ao longo do ano passado. Após o anúncio do início da redução dos estímulos, iniciou-se um intenso processo de elevação das taxas de juros dos ativos de longo prazo. Entre outras consequências, esse aumento produziu desvalorização relevante das moedas dos emergentes e de países dependentes da exportação de commodities.

No ano passado, a fim de contornar a percepção de incerteza associada aos efeitos da redução dos estímulos, o Banco Central do Brasil colocou em prática um programa de oferta de proteção cambial, ou seja, disponibilizou hedges para eventual assistência contra oscilações monetárias. A manutenção do câmbio dentro dos limites aceitáveis para o governo teve um custo bastante relevante. Apesar de não ter impacto direto sobre os gastos públicos e preservar temporariamente as reservas cambiais                , a emissão de swaps aumenta a parcela da dívida pública interna indexada ao dólar. Em fevereiro corrente, essa participação estava em 10,47%, maior participação desde dezembro de 2004. Além disso, intervir no mercado futuro é uma estratégia funcional apenas para ambientes de volatilidade moderada, em cenários mais turbulentos como em 1999 ou 2008 não teria a mesma aplicabilidade.

Ainda sobre o setor externo, o saldo de transações correntes fechou o ano bastante distante da pesquisa Focus do Banco Central que ao final de 2012 tinha como mediana das projeções um déficit de US$63 bilhões, 2,7% do PIB e um pouco acima do saldo de 2012 que foi de 2,4% do PIB. O resultado de 2013 foi um déficit de US$81,4 bilhões equivalente a 3,7% do PIB, pior proporção desde 2001. Um déficit dessa magnitude ainda está distante dos números associados a crises cambiais, o problema é a deterioração desse saldo ao longo dos anos. Nota-se que a maior causa de avanço no déficit em conta corrente foi a piora no saldo comercial, que caiu de US$19,4 bilhões em 2012 para US$2,6 bilhões em 2013. Um dos fatores mais relevantes para essa piora foi a diminuição do saldo comercial de petróleo e derivados devido à dificuldade de oferta nesse setor.

Outro ponto negativo no setor externo se refere ao financiamento do déficit em transações correntes. Os influxos de investimento estrangeiro direto (IED) se mantiveram estáveis em 2012 e em 2013 (em torno de US$65 bilhões), isso significou uma redução da parcela do déficit que poderia ser financiada por esses recursos. Em anos anteriores o IED cobriu aproximadamente 120% do déficit e em 2013 cobriu somente 79% dele. O IED caracteriza uma forma de financiamento mais benéfica, já que tem maior estabilidade se comparado a ingressos para mercado de capitais.

No ambiente interno, as alterações na política monetária norte-americana fizeram os emergentes adotarem posturas mais restritivas perante suas políticas monetárias, a fim de se resguardarem contra as desvalorizações cambiais. O Brasil acumula um aperto monetário de 3,5 pontos percentuais desde abril de 2013 até fevereiro de 2014. Essa conduta não parece ter sido suficiente para manter a atratividade de capitais para o país. Os spreads dos CDS (Credit Default Swaps)  cresceram mais de 70% de janeiro de 2013 até o fevereiro de 2014. A tendência é que o fluxo cambial permaneça fraco.

O aperto monetário também foi pouco influente na contenção do nível dos preços, talvez devido ao desencontro com as políticas fiscal e creditícia expansionistas. A fraca atividade econômica também não foi suficiente para frear o ritmo dos preços em no ano findo. Em um ano em que houve grande esforço governamental em direção ao controle de preços e a desonerações, o resultado do índice de preços ao consumidor foi bastante negativo. Os grupos de serviços e alimentos seguiram pressionados e a inflação continua distante da meta.

 O ritmo mais lento dos reajustes que estão sendo feitos pelo Banco Central Americano confere aos emergentes uma janela de oportunidade para que coloquem em práticas reformas políticas e econômicas a fim de que se tornem menos vulneráveis. Economias como as da Índia e do Brasil têm mostrado baixo crescimento devido às questões tributárias e leis trabalhistas rígidas, ou seja, há um excesso de burocracia que afasta investimentos. Nos últimos anos tivemos preços elevados de commodities, liquidez global em excesso e rápido crescimento, o que trouxe milhões para a classe média e reforçou economias de países como Brasil e México. Esses motivadores, contudo, têm tido trajetórias mais fracas à medida que as reformas estruturais vêm sendo adiadas. É preciso que esses países encontrem fontes endógenas de crescimento em vez de tomar como base a liquidez abundante no cenário mundial. Sem tais reformas, essas economias poderão ser cada vez mais prejudicadas conforme o Banco Central Americano for modificando o rumo de sua política.

Carlos Thadeu de Freitas Gomes é chefe da Divisão Econômica da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central.