Durante muito tempo, predominou no Brasil o mito da “democracia racial”, segundo o qual o país se caracterizava pela ausência de preconceito e discriminação e pela harmonia e tolerância raciais. Na verdade, essa ideologia recobria a tese oligárquica de “embranquecimento”, um projeto nacional de hegemonia da raça branca a ser implantado por meio da miscigenação seletiva e de políticas de imigração europeia. E mascarava também o nosso peculiar “racismo cordial”, talvez pior do que o racismo direto e declarado dos Estados Unidos e da África do Sul do apartheid.
Mas, num país miscigenado como o nosso, existem condições para que floresça a verdadeira democracia racial. Como dizia o saudoso antropólogo Darcy Ribeiro, o Brasil tem tudo para criar uma nova civilização, “mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas”. O primeiro passo é reconhecer o problema e adotar políticas públicas para superá-lo. E, nas últimas décadas, mais de um século depois da Lei Áurea, o país começou a estender a cidadania à população não branca, que é ampla maioria no país, principalmente por meio da educação.
De fato, mesmo com problemas, o país tem avançado na integração dos negros à sociedade nesses últimos 20 anos. Segundo informações levantadas em pesquisas do IBGE, a proporção de brasileiros que se autodeclaram pretos ou pardos no ensino superior dobrou em dez anos, saltando de 19% para 38%. O resultado se tornou visível no aumento do percentual de negros em quase todas as carreiras universitárias. Simultaneamente, a distância que separa brancos de não brancos no país em termos de renda per capita também diminuiu.
Podemos afirmar que um jovem negro hoje tem mais oportunidades que seus pais tiveram, mas seguramente isso não significa ainda que esteja no mesmo nível dos jovens brancos. Avançamos em uma década nos indicadores de diminuição de desigualdade racial, porque o país tem se estabilizado economicamente e proporcionado programas de incentivo à população menos favorecida, com o objetivo de estreitar o laço da exclusão e proporcionar uma melhor qualidade de vida a todos brasileiros.
O Relatório Anual das Desigualdades Raciais no Brasil 2009-2010 (lançado pelo Laeser e pelo Instituto de Economia da UFRJ) relata que, em 2008, os dados do Censo do Ensino Superior evidenciavam a existência de uma boa disseminação do número de Instituições de Ensino Superior (IES) que aderiram ao sistema de ingresso diferenciado – 26,3% do total das IES públicas do país. Por outro lado, o número de vagas disponibilizadas pelo sistema de cotas era de apenas 10,5%.
Somadas a ações de acesso ao ensino superior, como o Programa Universidade para Todos (ProUni), as cotas estão mudando o perfil do universitário brasileiro. Segundo dados reunidos no artigo Juventude Negra e Educação Superior, publicado no livro do Ipea, juventude e políticas sociais no Brasil, entre os anos de 2002 e 2009, pouco mais de 98 mil jovens negros entraram no ensino superior por meio de iniciativas desse tipo ou por programas de bônus sobre a nota obtida nos processos seletivos.
Em 17 anos, a taxa líquida de matrícula de jovens de 18 a 24 anos mais que quintuplicou entre os negros. Dados levantados pelo Ipea, disponíveis no site, apontam que no ano de 1992 apenas 1,5% dos jovens negros nesta faixa etária estava na universidade. Em 2009, eram 8,3 %. Entre os jovens brancos, as matrículas líquidas triplicaram no mesmo período – de 7,2% para 21,3%. A frequência dos jovens negros na universidade, que correspondia a 20,8% da frequência dos brancos em 2002, passou a corresponder a 38,9% em 2009.
A soma da valorização do salário mínimo, do crescimento sustentado da economia e de programas sociais voltados aos mais pobres é responsável por esses resultados, que na verdade não são repentinos mas fazem parte de um processo contínuo. Essas mudanças nos mostram o quanto é importante investir na educação, e, para isso, apostamos no Plano Nacional da Educação (PNE), ora em tramitação no Senado, que prevê que seja gasto o equivalente a 10% do PIB em Educação até 2023.
* Gilberto Alvarez Giusepone Jr. especialista em Enem, é diretor do Cursinho da Poli (SP), instituição sem fins lucrativos que trabalha a educação como inclusão social.