A renúncia do papa Bento XVI não se deu apenas pela fraqueza de sua saúde, muito embora ela seja a motivadora da decisão. É certo que ele anda debilitado, mas na condição de testemunha ocular muito próxima aos fatos, se deles também não foi protagonista, como cardeal Joseph Alois Ratzinger, ele presenciou o final do pontificado de João Paulo II quando, com o papa adoecido, a hierarquia na Cúria Romana, quase que sem o respeitar, já se debatia em torno da sua sucessão.
Curiosamente, nela saiu vitorioso o cardeal alemão, que por 23 anos sempre foi muito próximo — por estar junto, mas também no modo de pensar — do tradicionalista João Paulo II. Como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Ratzinger não apenas foi responsável pela punição que a Igreja impôs, em 1984, ao teólogo franciscano Leonardo Boff como teve papel fundamental no enterro que o Vaticano promoveu da Teologia da Libertação.
No seu papado, no qual manteve a linha tradicionalista, suas maiores dores de cabeça não foram questões teológicas ou ideológicas mas o envolvimento de padres e até bispos com a pedofilia, além da briga cega pelo poder dentro da Cúria, na qual é suspeito de envolvimento o mordomo Paolo Gabriele, que, depois de ficar preso 117 dias por roubo de documentos do Vaticano, recebeu a indulgência do próprio papa.
Com 85 anos e dificuldades até para se locomover, Bento XVI deve estar se sentindo sem forças para enfrentar a burocracia da Cúria, sem se deixar subjugar por ela. Entendeu ser o momento de fazer o que seu antecessor até admitiu, mas não concretizou. Anunciou sua saída.
Mas, como a cabeça de Bento XVI não sofre tanto como suas pernas, o romano pontífice, certamente, antes mesmo de anunciar sua renúncia, já deve ter usado de sua influência para interferir na sua própria sucessão. Apesar de todos os desmentidos com relação a esta "interferência", ela fica nítida quando se sabe que Bento XVI é responsável pela nomeação de mais da metade dos cardeais que participarão do Conclave.
Segundo consta, ele está apostando as fichas no arcebispo de Milão, o italiano Ângelo Scola, não por outro motivo, apontado como o mais provável sucessor.
Mas, como bem lembrou o presidente da CNBB, cardeal dom Raimundo Damasceno, “não há critérios explícitos para a escolha de um novo líder da Igreja Católica no Mundo”. Reunidos na Capela Sistina, os 120 cardeais, aos quais caberá eleger um novo papa, tudo podem, inclusive surpreender a todos e escolher um dos cardeais brasileiros, criando “um fato novo na historia do pontificado”, admite dom Damasceno.