Por favor, que as autoridades do setor energético não transfiram para São Pedro o ônus da falta de planejamento e investimento do setor elétrico. Se neste início de ano estamos à beira de um racionamento de energia – não obstante o ministro Edison Lobão declarar que “não há, nem nunca houve, nenhum risco de desabastecimento” –, a responsabilidade é única e exclusivamente das autoridades que, após 10 anos governando o país, não fizeram o dever de casa e consequentemente não aprenderam a lição do ocorrido entre 2001 e 2002.
Não adianta ir para a televisão com toda aquela empáfia e arrogância para dar desculpas esfarrapadas, pois houve tempo de sobra para fazer os investimentos necessários em geração, transmissão e distribuição. O fato concreto é: faltou gestão eficiente!
Como os exemplos são vários, analisarei somente dois empreendimentos que dão bem a dimensão de como um setor tão estratégico para o país está sendo gerido.
1º) Linha de Transmissão (LT) entre Porto Velho (RO) e Araraquara (SP). Mais conhecida como “Linhão do Madeira”, tem dois circuitos em corrente contínua com 2.375 quilômetros de extensão, cada, que transportará a energia gerada das usinas hidrelétricas de Santo Antônio, 3.150 Megawatts (MW) e Jirau, 3.750 MW, conectando-as ao Sistema Integrado Nacional (SIN).
De acordo com o Contrato de Concessão nº 013/2009–Aneel, assinado em 26 de fevereiro de 2009, cláusula segunda, primeira subcláusula diz que as “instalações de transmissão deverão entrar em operação comercial 36 meses, contados da data de assinatura deste contrato”. Pois bem, o prazo venceu em fevereiro de 2012, e nenhuma LT ficou pronta. Estima-se que o primeiro circuito seja concluído em abril deste ano e o segundo, somente em 2014, com dois anos de atraso.
Esse Linhão é um tremendo gargalo, pois a UHE Santo Antônio já está gerando 695,88 MW com 10 turbinas (de um total de 44), mas só pode despachar 600 MW, pois “a capacidade de escoamento pelo sistema de transmissão está limitada a 600 MW” (“Comentários do deck preliminar do Newave para o PMO de fevereiro/2013”, 18/01, pág. 3/4, ONS,www.ons.org.br).
O mesmo está ocorrendo com a UHE Jirau (50 turbinas), que está pronta para iniciar a geração escalonada, mas depende do Linhão. Segundo o presidente da GDF Suez no Brasil (líder do consórcio Energia Sustentável do Brasil), Maurício Bahr, “apesar dos esforços para colocar em funcionamento a usina hidrelétrica de Jirau – a geração de energia estava prevista para janeiro –, estamos reavaliando; deve começar apenas em março, quando a linha de transmissão deve entrar em operação, pois há um certo casamento que precisa acontecer aí” (Estadão, 22/12/12).
É uma situação no mínimo absurda, pois as concessionárias fizeram – e bem – a sua parte com pesados investimentos para adiantar o cronograma das obras e dar maior segurança ao fornecimento de energia.
2º) Parque Eólico de Caetité, Bahia. Esse parque gerador fez parte do Leilão de Energia de Reserva (LER) realizado no dia 14 de dezembro de 2009, quando foram contratados 1.805,79 Megawatts (MW) distribuídos entre cinco estados (BA, CE, RN, RS e SE) e foi o primeiro realizado exclusivamente para comercialização de energia eólica. Do total, a empresa Renova Energia contratou 293,6 MW.
Os desafios foram enormes para transportar torres com 80 metros de altura e rotores de 82,5 metros de diâmetro, numa topografia bastante desfavorável (ao contrário de muitos que falam sobre o assunto, já trabalhei naquela área e conheço a fundo aquela região). Para tal, a Renova se pôs em marcha acelerada e em 28 de junho de 2012 (dentro do prazo contratual), através do Comunicado ao mercado, informou que “nesta data foi concluída a montagem e instalação de todos os 184 aerogeradores e subestações que constituem os 14 parques eólicos contratados no leilão de reserva de 2009”.
O passo seguinte era o óbvio: colocar o sistema para gerar energia para atender os milhares de consumidores, num período que já vivenciava a escassez de chuvas. Mas, por incrível que pareça, até hoje – e ainda não sabemos até quando – o parque eólico não gerou um só MW. Por quê? A resposta é simples. A Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (Chesf), responsável pela construção da Linha de Transmissão (LT), não concluiu a obra. As explicações para a não conclusão da LT são várias, e é um verdadeiro jogo de empurra-empurra entre a estatal e a Secretaria de Meio Ambiente da Bahia.
Enquanto isso, como sempre, nós, consumidores, estamos pagando a conta do lucro cessante da Renova Energia que fica em torno de R$ 17 milhões por mês. Considerando 15 meses entre a entrega do parque gerador e o funcionamento pleno da LT da Chesf, pagaremos em torno de R$ 255 milhões por uma energia que não recebemos e que está fazendo uma tremenda falta nestes tempos de seca inclemente, com os reservatórios próximos da Curva de Aversão ao Risco, mesmo com todas as térmicas ligadas.
Para que os leitores tenham uma ideia do absurdo da situação, no Nordeste existem 50 parques eólicos que somados atingem 2.022 MW, sendo que, desse total, 622 MW já estão prontos desde 2012; o restante – 1.400 MW – estará concluído ao longo de 2013. Entretanto, nenhum parque gera um só MW por falta de LTs, que têm atrasos entre seise 17 meses (www.abeeolica.org.br e www.aneel.gov.br).
Que a presidente Dilma chame às falas os responsáveis do Ministério de Minas e Energia e exija que sejam destravados estes e outros empreendimentos para que a energia gerada seja disponibilizada o mais rápido possível. O consumidor não pode continuar pagando ad eternum pela incompetência de quem deveria fazer cumprir os contratos assinados.
Em tempo: no meu texto anterior, disse que a UTE Uruguaiana voltaria a funcionar na primeira quinzena do mês em curso. No entanto, na semana passada, as autoridades informaram que, devido a processos burocráticos na Argentina, a citada UTE só entrará em operação, na melhor hipótese, no fim do mês. Por que, só agora a Petrobras e o MME se deram conta de que havia trâmites burocráticos a serem resolvidos com os argentinos?
Que as autoridades assumam os seus erros e deixem São Pedro em paz!
* Humberto Viana Guimarães, engenheiro civil e consultor, é formado pela Fundação Mineira de Educação e Cultura, com especialização em materiais explosivos, estruturas de concreto, geração de energia e saneamento.