Os Estados Unidos, apesar de estarem no epicentro de uma das mais graves e duradouras crises do capitalismo, têm tamanha importância para o planeta que suas eleições presidenciais e legislativas deveriam ser cosmopolitas. Afinal, decisões tomadas na Casa Branca e no Congresso, em Washington, podem afetar quase na mesma proporção um morador de Manhatan quanto da Mooca, em São Paulo, ou o habitante do conturbado Oriente Médio.
Por isso, prestei muita atenção e tentei interpretar o longo discurso de vitória do presidente democrata reeleito, Barack Obama, proferido em tom épico e emocional, diante de 100 mil pessoas, no Grant Park de Chicago, Illinois, quando a contagem dos votos reiterava sua permanência na chefia do governo. Depois, li e reli a íntegra do pronunciamento.
O conteúdo sugere que o eleitorado dos Estados Unidos parece ter feito uma escolha em consonância com os interesses da humanidade. Explico: paralelamente aos trechos óbvios de agradecimentos, reafirmação do sonho americano, capacidade de superação dos homens e mulheres do país e das loas aos trabalhadores e aos soldados sacrificados nas areias do Iraque e nas montanhas do Afeganistão, três pontos reacenderam meu otimismo com relação a uma nova etapa da política externa norte-americana, incluindo o relacionamento com o Brasil.
O primeiro item refere-se ao propósito de Obama de governar junto com o Partido Republicano, que fez maioria na Câmara, e o reconhecimento a alguns valores inerentes a essa legenda mais conservadora. Se isso se aplicar à economia, poderá significar menos protecionismo, tendência que deverá influenciar positivamente a política comercial. É uma boa oportunidade para o Brasil investir na diplomacia econômica, buscando ampliar a cooperação e afastar algumas rusgas recentes, inclusive relativas às medidas de proteção adotadas pela presidenta Dilma Rousseff. Além disso, somados o menor belicismo democrata e a abertura comercial republicana, o mundo ganhará muito.
Os outros dois pontos que destaco referem-se à economia. Curiosa e emblematicamente, ambos foram os únicos aspectos específicos a que Obama se referiu, pois se limitou, o tempo todo, a fazer menção genérica à crise mundial e ao poder de reação de seu povo. O primeiro recado é muito claro quanto à prioridade da produção e menos peso ao setor financeiro: “Lembremos que se esta crise nos ensinou algo é que não pode haver uma Wall Street próspera enquanto a Main Street (comércio) sofre”.
A segunda ênfase engloba, numa única frase, aspectos que envolvem nosso país: “Há novas fontes de energia a serem aproveitadas (nosso etanol é a principal delas) e alianças para serem reparadas (dentre elas, as relações comerciais com o Brasil)”. Sem retroceder na bem-sucedida estratégia diplomática que ampliou sua liderança na América do Sul e conferiu nova dimensão e poder de decisão ao G20, equilibrando-o em relação ao G8, o Brasil deve aproveitar o início do novo governo Obama para fortalecer o intercâmbio com os Estados Unidos. Em tempos de crise, somar é sempre melhor do que dividir.
*Antoninho Marmo Trevisan, presidente da Trevisan Escola de Negócios, é membro do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo e do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República.