A autorreconhecida ranzinzice, o sabido pão-durismo e alguns outros (supostos) defeitos, não sei se os devo a ele, ou se conquistas que devo assumir como responsabilidade minha. Aliás, no caso, pouco ou nada interessa. O que vale, e procuro (re)transmitir, são lições de vida e de mundo de um agricultor familiar de Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, de escola primária, pai e criador de nove filhos.
Não ter medo do escuro: Guris e adolescentes, saltávamos cercas, atravessávamos as trilhas dos potreiros, circulávamos pelas estradas de terra, de testemunhas a lua e as estrelas, na noite fechada que não nos intimidava, até porque conhecíamos cada buraco, sabíamos onde estavam as pedras do caminho, para chegar na casa dos vizinhos, parentes e amigos, rezar o terço da Capelinha e fazer festa.
Cuidar das plantas, dos bichos, das árvores e dos seres humanos: Cada planta, cada animal, cada árvore ao lado de casa, cada criança, jovem, mulher ou pessoa idosa são sagrados e precisam ser respeitados como o que são.
Trabalhar de sol a sol: Prover o sustento da manhã à noite, respeitados o sábado de tarde e o domingo. Planejar todos os dias os trabalhos da jornada ao lado do fogão a lenha, para que não falte a ninguém a comida, a escola e um troquinho para comprar um refri domingo durante o jogo de futebol.
Saber fazer tudo de tudo: Ser artesão das coisas e da vida, fazer cestos de vime e de taquaras com perfeição, construir casas e galpões como se pedreiro e mestre de obras fosse, fazer aramados e cercas, plantar o milho, o tomate, o feijão no clima e época adequados, matar porcos e bois para assar o melhor churrasco do mundo, fazer um chimarrão e um vinho de primeira com as uvas do parreiral ao lado de casa.
Viver com o necessário e com alegria: O trabalho é para se sustentar e viver bem, não para ter lucro ou posses acima do necessário. As festas fazem bem à saúde e à cabeça, assim como a cerveja e o vinho.
Valorizar o estudo e a leitura: Fazer o dever da escola com todo cuidado antes dos serviços de casa, ler revistas e publicações, mesmo em alemão, assinar e ler os jornais disponíveis no interior do município.
Ser disciplinado: Horários são para serem cumpridos, bem como compromissos assumidos. Nunca chegar tarde ou atrasado, nunca deixar de fazer as tarefas pelas quais se é responsável.
Ter cuidado com o pouco que se tem: O sapato e o chinelo, um de cada, usados até terem buracos, as roupas passando de irmão para irmão, gastar bem cada moeda, nunca deixar prato vazio, saber que tudo foi ganho com o suor do rosto.
Estimular a participação na comunidade: Ninguém pode ficar isolado no seu mundo. É importante conviver, não brigar com os vizinhos, é fundamental participar sempre do coletivo, seja da comunidade cristã, da sociedade, do coral da igreja, do clube de futebol da localidade, da cooperativa e do sindicato. Juntos, somos fortes.
Repartir o milho e os chocolates de Natal e Páscoa: Uma espiga de milho para cada um dos nove filhos, um pedaço do chocolate recebido no Natal ou na Páscoa todos os dias para durar mais tempo. Todos têm direitos iguais, ninguém é mais que ninguém.
Não prender os filhos: Filhos são feitos para viver sua vida, estimulá-los a buscar seu caminho, jamais impedir de, se quiserem, ir para o seminário ou para longe, mesmo que custe um braço a menos em casa e o pagamento, pesado, de seus estudos.
Ter a sabedoria da vida e do tempo: Angústia permanente não ajuda a viver. Deus, e o trabalho, há de prover o necessário. Sempre haverá um dia depois do outro.
Amar a família: Cuidar, acima de tudo, os que estão ao lado da gente no cotidiano, não deixar faltar nada: comida, vestuário, educação, teto e amor, muito amor, mesmo em geral pouco demonstrado na forma de carinho e beijos.
Ter fé: Rezar sempre antes das refeições, ler a Bíblia, frequentar a igreja aos domingos, saber-se filho do Criador, ligar a fé à vida e à comunidade.
Sonhar com esperança: Desejar coisas simples, possíveis de acontecer, não descuidar do amanhã, agradecer o futuro.
Papai Léo assim educou os filhos. Por ele me/nos (os nove filhos) ensinar o sentido da vida, me/nos preparar para o futuro, tento/tentamos ser cidadãos conscientes, com plenas condições de enfrentar as agruras do tempo, as tempestades que, em algum momento, sempre vêm, cultivar valores éticos, servir os outros, ser generoso, ser justo, ser profundamente humano. Sou/somos? O exemplo foi dado.
Viva todos os papais que amam, sofrem com os seus filhos e com os filhos dos outros, e são papais de e da humanidade!
* Selvino Heck é assessor especial da Secretaria Geral da Presidência da República.