Em recente divulgação feita pelo governo federal, soubemos que haverá uma ampliação em 15% no número de vagas para os cursos de graduação em medicina em todo o país. Para se ter uma ideia, há 16 anos, o Brasil possuía 82 faculdades de medicina, 40% destas privadas. Em 2008, em um novo censo realizado, esse número tinha saltado para 98, sendo que agora 70% destas instituições eram particulares.
Esses números demonstram a crescente tendência de abertura de novas escolas ou o aumento do número de vagas nas escolas médicas já existentes. Sob a justificativa de atender a carência de profissionais em diversas regiões do país, o governo federal tem amplificado a oferta de vagas e facilitado a criação de novos cursos. Mas será preciso mesmo criar novas escolas de medicina no Brasil?
Segundo uma análise nacional sobre a situação das escolas médicas brasileiras, a Comissão de Especialistas do Ensino Médico, presidida pelo ex-ministro da saúde Adib Jatene e por vários membros da Abem (Associação Brasileira de Educação Médica), foi categórica em afirmar que não é necessário a existência de novas escolas mas, sim, a melhoria dos cursos já existentes. O relatório emitido por essa equipe sugeriu, inclusive, a redução de vagas em várias instituições.
Grande parte dessas conclusões foram baseadas em estudos e estatísticas fornecidas pelo próprio Ministério da Educação. O Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), por exemplo, identificou, já em 2008, 17 escolas que obtiveram nota inferior a 3, em uma escala que vai até 5, o que confirma a existência de déficits graves no ensino. Ao mesmo tempo, nesse período, existia a solicitação de mais de 50 pedidos de faculdades almejando abrir um curso médico, a maior parte delas sem nenhuma infraestrutura ou programas para tal projeto.
Certamente, muitas dessas escolas conseguiram ou ainda vão conseguir o alvará de funcionamento para seus cursos. Isso porque, segundo a proposta do Ministério da Educação, do segundo semestre deste ano até 2014 deverão ser abertas mais de 2.500 novas vagas, cerca de 2 mil nas universidades federais e 500 em instituições privadas.
A imensa maioria dos estudantes do curso de medicina é formada dentro dos serviços públicos de saúde, que constituem, na verdade, a grande escola médica, onde se ensina e se aprende a prática clínica diária. A crescente falta de estruturação dos serviços públicos, o sucateamento das instituições e a falta de verbas para melhoria dos serviços e clínicas têm refletido diretamente sobre a formação dos novos médicos, sem contar, é claro, com a desqualificação de docentes e a escassez de práticas pedagógicas eficientes.
Isso tem resultado em aspectos desastrosos. Atualmente, evidenciamos um grande número de egressos das escolas médicas que não dispõem de qualificação necessária para atender às necessidades básicas da população. Vide o último resultado da avaliação feita pelo Conselho de Medicina de São Paulo, que demonstrou falhas alarmantes na formação dos novos profissionais. Segundo resultados desta avaliação, mais da metade dos recém-formados não souberam fazer, por exemplo, o diagnóstico correto de uma pneumonia ou tratar adequadamente a sífilis, doenças comuns em nossa prática diária.
Isso nos confirma a premissa de que, no momento, não necessitamos de mais escolas médicas. Precisamos, sim, de instituições mais estruturadas e que garantam a qualidade de ensino e a formação de bons profissionais. É necessário dar boas condições de estudo e formação aos novos alunos, fornecendo teoria e prática ordenada e substanciada por planos pedagógicos coerentes e eficazes. E para os egressos do curso médico, oferecer boas e dignas condições de trabalho e atrativos para as áreas mais carentes de profissionais. Somente colocar mais profissionais no mercado a cada semestre não vai resolver a distribuição dos médicos no país, os quais, por sinal, tendem a se concentrar nos grandes centros, onde as oportunidades de trabalho são melhores.
A opção do governo federal foi muito clara ao tomar essa atitude: priorizou pela quantidade e desprezou a qualidade do ensino médico. Não precisamos de atitudes populistas mas, sim, de planejamento, ordem e coerência com as reais necessidades da sociedade. Não precisamos de mais médicos, precisamos, sim, de melhores médicos.
* Vanderson Carvalho Neri, médico neurologista, é professor de neurologia clínica da Faculdade de Medicina de Campos (RJ). - [email protected]