The Economist’ de 4 de dezembro trazia uma sugestiva capa em que aparece um homem (seguramente um burocrata de Bruxelas) com uma moeda de 1 euro, em vez de cabeça, e uma pistola apontada, pronta a disparar, com a legenda “Don't do it”. E o subtítulo “What breaking up the euro would mean” (“O que é que a destruição do euro significaria”). Eis como os britânicos, que majoritariamente sempre foram contra o projeto europeu, veem, com algum humor mas com realismo, a crise do euro, que pode vir a transformar-se numa crise geral da própria União...
Estive na mesma semana em Paris e em Bordeaux, tendo a oportunidade de conversar – e principalmente ouvir – com vários políticos e universitários, todos acentuando a crise do euro e o perigo em que incorre a União de poder vir a desagregar-se. Uma ideia que há uns meses não fazia qualquer sentido. Mas agora faz.
A esmagadora maioria das lideranças europeias pertence, neste momento de crise, à Direita ultraconservadora (23 em 27 Estados-membros), pouco tendo a ver, no plano político-ideológico, com as velhas democracias cristãs do Centro que, com os socialistas, contribuíram, nos últimos 50 anos, para consolidar o projeto europeu. Pelo contrário, as lideranças atuais parecem não sentir a importância da Europa como projeto político de paz, de democracia pluralista, de bem-estar para os europeus e, sobretudo, de unidade e solidariedade entre os Estados-membros, com um contrato social que constitui uma das principais identidades europeias. E, por outro lado, parecem pensar, de novo, em termos de um certo nacionalismo serôdio – cada um por si e os outros que se arranjem – que, no século passado, não o esqueçamos, conduziu a Europa a duas hecatombes mundiais.
Não compreendem – ou não querem compreender – por que sendo, como são, neoliberais, para as quais, os valores que mais contam são o dinheiro e o lucro pelo lucro – ignoram as pessoas, os princípios éticos e as causas que nos conduziram à crise global em que nos encontramos. Assim, a União Europeia, entendendo-se mal entre si, está paulatinamente a deixar de ser uma referência política e moral para o mundo, por mais que a baronesa Catherine Ashton, britânica e trabalhista, esteja a tentar montar um sistema diplomático europeu unitário, sem, contudo, haver uma política externa concertada da União...
É certo que a chanceler Merkel, com atrasos que criou e depois com os dislates que disse, inicialmente, a propósito da Grécia e, depois, da Irlanda e das crises (diferentes) por que estão a passar, parece ter recuado, ao perceber que a crise não é só financeira mas também económica e mesmo político-institucional. E, em consequência, ajudou os países a que chama periféricos, como Portugal e Espanha, também a Itália e a França, tentando evitar a destruição do euro que, note-se, é a segunda moeda de reserva do mundo. O recuo, embora um tanto ambíguo da chanceler alemã (que, infelizmente, não se compara a Kohl), ocorreu na semana passada e influenciou, naturalmente, o presidente do Banco Central Europeu, Jean-Claude Trichet, que disse algumas frases sensatas em defesa do euro que parece terem moderado os apetites dos mercados predadores, apostados na destruição do euro...
Esta relativa mudança parece ter ajudado a baixar o clima de tensão, que estava a tornar-se intolerável em Portugal após a aprovação do Orçamento de Estado para 2011. Para os leitores perceberem bem a situação que afeta o euro – e, portanto, a União Europeia – Portugal, seguramente, a Espanha e outros Estados, como a Itália ou a França, é importante que concluam: a crise que nos afeta é, essencialmente, europeia e, por isso, também portuguesa. Leiam o suplemento Negócios do El País de domingo. Contém entrevistas e artigos extremamente sensatos, e muito claros, de figuras altamente prestigiadas como: Romano Prodi, Kenneth Rogoff, professor de economia e ciências públicas de Harvard, Jeffrey Sachs, professor de eonomia da Universidade de Columbia, Paul Krugman, Prêmio Nobel de Economia, e o banqueiro português Ricardo Espírito Santo Salgado. Este último dá uma entrevista sobre a situação portuguesa em que faz uma análise extremamente ponderada e lúcida, com o título Alemanha e França não têm ajudado nada à estabilidade do euro. É, infelizmente, verdade. Mas é útil que o tenha dito, para que os economistas portugueses, que todo dia nos querem convencer das desgraças pátrias, possam refletir e concluir que o problema que nos afeta é, essencialmente, um produto europeu e não, exclusivamente, português, como nos querem fazer crer.
*Ex-presidente de Portugal