Gilson Caroni Filho *, Jornal do Brasil
RIO - Em pleno ano eleitoral de 2002, o governo submergia em sérios escândalos na área econômica. O presidente do Banco Central, Armínio Fraga, e o diretor de Política Monetária da mesma instituição, Luiz Fernando Figueiredo, eram acusados pelo presidente interino da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) de fazer lobby em favor das empresas de telefonia. Ambos teriam entregado à Câmara de Política Econômica, instância governamental, um texto preparado pela BCP, empresa que operava na banda B de telefonia celular em São Paulo. No documento eram recomendados aumentos de tarifas, mudanças contratuais beneficiando as operadoras e redução dos impostos que incidem sobre as contas dos consumidores.
Tinha mais. Havia sérias suspeitas de que técnicos de alto escalão do BNDES, do Tesouro Nacional, do Banco do Brasil e do Ministério da Fazenda fizeram uso de informações privilegiadas para compra e venda de ações do Banco do Brasil. Eram pessoas que trabalham nas mesmas instituições que desenharam o projeto de venda de 16,3% do capital do BB. O então ministro da Fazenda do governo FHC, Pedro Malan, mandou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) investigar as acusações. O problema é que o órgão fiscalizador abriu sindicância para apurar denúncias de irregularidades de funcionários em processo de cisão nas áreas de petroquímica e de papel e celulose. Em suma, em tempos do império do cassino, o melhor a fazer era, tal como na música de Chico Buarque, chamar o ladrão .
O que revelam os parágrafos acima? Um cenário tétrico. Um governo corrompido em setores-chave de formulação e execução de sua política econômica. O resultado lógico de instituições que se redefiniram para melhor servir ao receituário neoliberal. Não havia acidentes de percurso. A banca internacional e a degradação interna de autoridades e órgãos que se desviavam de suas funções republicanas não eram obra do acaso. A segunda era um desdobramento lógico da primeira. E não atingia apenas instâncias econômicas; levava de roldão uma imprensa que a tudo silenciava. Por convergência de princípios e por ser sócia do jogo.
Os fatos aqui relatados não são fruto de uma exaustiva investigação pessoal. Muito menos resultam da apuração de partidos oposicionistas ou imprensa alternativa de esquerda. O que os demais jornais ocultaram, o JB noticiou. Continuava a mística que vinha de sua fundação: os profissionais do diário carioca, antes de seguirem eventuais orientações editoriais, cumpriam a função básica de fiscalizar os poderes públicos. Por excelência, sempre denunciou irregularidades na esfera pública como amparo de sólido trabalho investigativo, tarefa irrenunciável do jornalismo.
Hoje, passados oito anos, vemos que a nova geração de repórteres e editores não se deixou submeter a outro imperativo que não fosse o interesse do leitor. Nadando contra a corrente de uma imprensa oligarquizada e antinacionalista, não recusou os princípios que fundamentam a liberdade de imprensa, assegurada em qualquer regime democrático. O pluralismo esteve assegurado na cobertura dos fatos, no respeito ao contraditório e nos mais variados matizes ideológicos de seus colaboradores. Como veículo impresso, não se prestou à instrumentalização partidária, a distorções da realidade, infamando quem considerasse inimigo político. Foi bela a aula de jornalismo de um periódico que manteve na credibilidade, independentemente do formato, sua identidade central. Reafirmou o que disse um dia o jornalista Washington Novaes: Jornalismo não é profissão a ser exercida em nome próprio, mas por delegação da sociedade, a quem legitimamente pertence a informação .
* Sociólogo