Sem eufemismo. A palavra é desagradável mesmo. Para o infectologista Rivaldo Venâncio, pesquisador e coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o Estado do Rio de Janeiro vive uma epidemia de chikungunya. O médico chegou à conclusão sobre a intensa infestação dessa doença transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti (o mesmo da dengue) ao analisar números da Secretaria estadual de Saúde. Na comparação dos períodos de janeiro a maio deste ano com o anterior, houve um aumento de 446,5%, correspondente a uma incidência 5,5 vezes maior da doença: foram 2.600 casos em 2017 contra 14.209 em 2018. “Esse aumento substancial de uma doença nova na região Sudeste configura, sim, uma epidemia”, avalia o especialista.
Os números da chikungunya vão cair devido à proximidade do inverno e do tempo mais frio. A preocupação de Rivaldo Venancio é quanto ao próximo verão: “Digo com certeza que esse número de 14.209 está subdimensionado. Calculo que há pelo menos 30 mil casos no Estado do Rio. Essa subnotificação, por si só, vai dificultar no combate da doença quando o tempo voltar a esquentar. Ou seja, de dezembro de 2018 a março de 2019”.
A chikunhunya, alerta Venancio, é uma doença que causa sérios danos, por exemplo, ao cotidiano de um trabalhador: “Ela tem um tempo de cura mais longo do que a zika e a dengue. O paciente fica meses infectado por um vírus que deixa uma pessoa tão fragilizada que ela não consegue tomar um banho sozinha”. Para o médico da Fiocruz, a subnotificação no Rio se associa à crise fiscal. Os problemas das unidades de saúde com a falta de recursos põem os profissionais numa situação em que preferem priorizar o atendimento a notificar doenças infectocontagiosas.
Professor titular de Epidemiologia da UFRJ, Roberto Medronho também considera grande a possibilidade de subnotificação: “Acho totalmente plausível a projeção do Venancio de pelo menos 30 mil pessoas com a doença no estado. A chikungunya é detectada no atendimento básico, em clínicas da família, das unidades de pronto atendimento e nas emergências públicas ou privadas. A crise por que passa a saúde no estado dificulta a notificação mesmo de doenças de notificação compulsória, caso da chikungunya”.
Alexandre Chieppe, médico da Secretaria estadual de Saúde, admite que há subnotificação, mas não se arrisca em estimativas: “Quem passa esses números ao estado são as áreas de vigilância sanitária das prefeituras. Há problemas pontuais, sim, mas nada que justifique um aumento grande das subnotificaçoes”.
O médico, que fala em nome do governo do estado, não esconde sua preocupação sobre o próximo verão. “Será um enorme desafio evitar que a chikungunya cresça ainda mais em um tempo de temperatura mais alta”, afirma Chieppe. Ele diz que o poder público vai precisar do engajamento da sociedade para enfrentar a doença. “Esses números podem aumentar, porque a população toda é suscetível”, avalia o médico, referindo-se ao fato de que a maioria da população fluminense não foi infectada pela doença e, portanto, não criou anticorpos contra ela.
Para Venancio, a subnotificação impede que se faça um mapeamento mais acurado dos lugares onde a doença mais se instala no estado. E ela pode se disseminar a partir de alguns fatores bem presentes na região metropolitana: “O lixo pode se transformar em objeto que acumule água transformando-se num potencial criadouro do mosquito aedes aegypti. O copo descartável que ficou num parque ou quintal, garrafa, latinha, pets, lona que ficou em uma obra, tudo isso se transforma em focos de criação de aedes aegypt. A violência, por sua vez, afasta agentes de saúde que combatem diretamente a proliferação do mosquito, em áreas com conflitos entre polícia e tráfico ou mesmo entre traficantes de diferentes facções. Já a falta de abastecimento regular de água leva o morador a armazená-la de forma improvisada, sem a vedação adequada, criando, assim, mais focos de mosquitos”.