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Reintegração de posse no Rio tem confronto entre PM e moradores

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Policiais militares entraram nesta segunda-feira (7) na comunidade do Horto, dentro do Jardim Botânico da cidade do Rio de Janeiro, na zona sul, para cumprir um mandado de reintegração de posse. A área pertence à União e a disputa judicial dura décadas. A ordem, expedida pelo juiz Guilherme Corrêa de Araújo, da 22ª Vara Federal do Rio de Janeiro, determinou a reintegração de uma das 50 casas do local. A Justiça deve julgar a situação de mais três casas do local.

Os policiais haviam chegado por volta das 6h30 para o cumprimento da ordem judicial, mas entraram no local somente por volta das 12h. Moradores fizeram uma barreira com cadeiras de praia e no chão, com a participação de vários idosos e crianças, para impedir a entrada de um caminhão de mudança na comunidade. 

Quando o Batalhão de Choque se posicionou para o caminhão passar, mulheres e idosos se posicionaram na frente do grupo e deram as mãos. Os policias usaram bomba de gás lacrimogêneo, spray de pimenta e balas de borracha. 

Pelo menos dois idosos ficaram feridos. Dezenas de pessoas passaram mal com gás lacrimogêneo e o spray de pimenta. A enfermeira, Margarida Lagame, relatou que teve a perna queimada por uma bomba de efeito moral. “Uma senhora estava passando mal. Eu estava indo na casa dela medir sua pressão, quando jogaram uma bomba em minhas pernas. Sou moradora daqui há 36 anos”, disse aos prantos, com um aparelho de pressão na mão. “A casa era do meu sogro, que era funcionário do Jardim Botânico. Ninguém aqui é invasor. Isso é uma covardia”.

Um senhor levou um tiro de bala de borracha na cabeça, foi atendido por uma ambulância e levado para um hospital. Alguns jovens foram imobilizados por policiais.

Um dos donos da casa alvo da reintegração, Marcelo de Sousa Alvarenga, 41 anos, disse que o imóvel foi construído há cerca de 80 anos por seu tio-avô e que, na semana passada, havia colocado telhas novas. Logo após retirarem os móveis, a casa foi demolida. “Não pedi para vir morar aqui. Nasci aqui. Meu filho, que está com 15 anos, é a terceira geração morando nesta casa”, disse, emocionado.

O caminhão de mudanças, segundo Marcelo, foi pago pela Associação dos Moradores e Amigos do Jardim Botânico. “Não tenho ideia para onde vou com minha família, sou trabalhador autônomo, trabalho com buffet, e preciso do meu material de trabalho, que vai ter que ficar em um depósito”.

O advogado de alguns moradores, Rafael da Mota Mendonça, classificou a reintegração de arbitrária e que a Justiça Federal deve ser responsabilizada.

“A posição da União é de regularizar a situação dos moradores em outro local, enquanto isso não ocorre, a União entende que os moradores devem permanecer aqui. Mas alguns juízes por vontade própria, sem a autora da ação que é a União provocar, determinam a execução dessas ações. Esse juiz agiu contra a vontade da autora da ação, sem dar nenhuma alternativa habitacional para o morador”.

“A posse desses moradores é bicentenária. Fizemos um requerimento de concessão de uso especial para fins de moradia que foi deferido pela União e é um direito subjetivo dos moradores à regularização fundiária”, acrescentou.

Segundo o advogado, o processo de regularização fundiária contou teve um estudo de técnicos e professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro "que mostra que é viável que praticamente todos os moradores fiquem aqui, com exceção daqueles em áreas de risco”.

Ao todo, 621 famílias vivem no local e tramitam na Justiça 215 ações de reintegração de posse. Mais de 200 estão suspensas à espera de uma alternativa habitacional da União em favor dos moradores.

Desde 2014, a União regulamentou o uso das terras da região pelo Jardim Botânico. As primeiras reintegrações de posse ocorreram naquele ano.  

Moradores questionam a falta de critério para permitir ou proibir moradias na região. Segundo eles, mansões foram construídas nos últimos anos nos morros, no meio de mata fechada, vizinhas das casas que correm risco de serem demolidas. Para o presidente da Associação dos Moradores do Horto Florestal, Emerson de Souza, a motivação é financeira, pois o terreno onde foram construídas as casas já foi avaliado em mais de R$10 bilhões.

“É a especulação imobiliária. As famílias que estão aqui começaram a chegar há 200 anos. Os próprios ambientalistas já disseram que um projeto ambiental demoraria uns 30 anos para ser implementado”, disse. “O parque do Jardim Botânico agora é patrocinado por várias empresas e querem expandir para contemplar essas empresas”, ao citar o caso do Clube dos Moradores Caxinguelê, reintegrado ao Jardim Botânico em 2014. A ideia pe que o local seja transformado em orquidário, o que ainda não ocorreu. “Não construíram nada. Essas reintegrações não têm nada a ver com motivação ambiental, é puro interesse financeiro”.

Jardim Botânico 

Com a reintegração de posse, o Jardim Botânico não abriu nesta segunda.

O Instituto de Pesquisas Jardim Botânico do Rio de Janeiro disse que a ação foi parte de cumprimento da decisão judicial definida há quase dois anos e ajuizada pela União na década de 80.

Segundo o instituto, os moradores atearam fogo a um bambuzal situado no interior do Jardim e destruíram equipamentos do Aqueduto histórico. “Repudiamos fortemente essa demonstração de desrespeito à lei, de desapreço ao Jardim Botânico e atitude de chantagem contra um patrimônio histórico do Brasil e da humanidade, conforme titulação da Unesco”.

O Ministério do Planejamento informou que o Jardim Botânico cumpriu determinação judicial. 

Em 2013, a então ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, anunciou o novo perímetro do Jardim Botânico, com a incorporação de uma área de 132,5 hectares.