Os profissionais da Rede de Saúde Mental de Niterói acusam a prefeitura de querer acabar com o chamado Recibo de Profissional Autônomo (RPA), vínculo de trabalho pelo qual os profissionais de saúde recebem seus vencimentos. Embora os RPAs não garantam os direitos trabalhistas nem os benefícios de alimentação e transporte, são eles que asseguram o funcionamento de todos os serviços voltados para a saúde mental da cidade. Segundo o Fórum dos Trabalhadores da Rede de Saúde Mental do município, autor da denúncia, cerca de 500 profissionais de saúde ficariam desempregados e 8 mil a 9 mil pacientes com problemas psiquiátricos ficariam sem atendimento, caso não haja a substituição dos RPAs.
Este tipo de vínculo por RPA entre os profissionais de saúde e a Prefeitura de Niterói começou há mais de dez anos. Mesmo não garantindo os direitos trabalhistas previsto em lei, como férias e 13º, o Fórum dos Profissionais da Saúde Mental da cidade não quer o fim desses contratos se não houver alguma proposta que garanta a continuação dos trabalhos e não prejudique os pacientes da rede, como a realização de um concurso público.
Nesta segunda-feira (26), representantes do fórum se reuniram com o secretário municipal de Saúde, Francisco D’Angelo, para reivindicar soluções que regularizem a situação dos profissionais, que poderia ser através de concursos públicos. Como resposta, só tiveram a garantia do ressarcimento dos 4% a 6% de redução, sem prévio aviso, dos vencimentos referentes ao mês de julho, que só foram pagos no último dia 22 de agosto. No entanto, o secretario disse que o fará, no máximo, até 20 de setembro. De acordo com o fórum, o atraso de um mês nos pagamentos do salário é normal.
Os vencimentos para um profissional com curso superior na rede de saúde mental de Niterói gira em torno dos R$ 1.350 para uma escala de trabalho de 24 horas semanais, divididas em três dias com turno de oito horas. Já para um profissional de nível técnico, como os profissionais de enfermagem, o salário é de R$ 850 para trabalhar 30 horas semanais. De acordo com a denúncia feita na página do Fórum dos Trabalhadores da Rede de Saúde Mental no Facebook, “o valor do RPA sofre ainda um desconto de 11% de INSS, valor estabelecido arbitrariamente pela prefeitura, e que não está sendo repassado ao INSS, o que é crime (apropriação indébita)”. Um integrante do fórum de Saúde Mental que esteve na reunião com o secretário afirmou que D’Angelo ficou surpreso com esse desconto.
O mesmo integrante do fórum, que prefere não se identificar para não sofrer represálias, afirma que a maior dificuldade para solucionar o problema é mudar a posição do prefeito de Niterói, Rodrigo Neves (PT). “Ele não está querendo fazer concurso público neste momento e pensa apenas em passar a gestão da saúde para as Organizações Sociais (OS’s) ou para a Fundação Estatal de Saúde, ou seja, passar para a iniciativa privada. O secretário de Saúde até afirmou que terá concurso para o setor, mas não soube dizer quando, pois a autorização precisa vir do prefeito, que é contra. Também não queremos continuar recebendo através dos RPAs, mas a prefeitura precisa dar outra forma de contratação para que os pacientes não fiquem sem assistência”, ressalta.
Como afirma a denúncia dos profissionais no Facebook, “além da precariedade de vínculo dos recursos humanos continuar, os serviços não tem estrutura física adequada de funcionamento, faltam medicamentos básicos e insumos, bem como de equipamentos (computadores, telefone, etc)”.
Sindicato dos Médicos: “Falta cumprir a lei”
De acordo com o presidente do Sindicato dos Médicos do Rio de Janeiro (SinMed/RJ), Jorge Darze, os vínculos de trabalho através dos RPAs “não foge à regra do sistema de saúde pública do Brasil”.
“Na medicina brasileira temos várias modalidades de contratações e que na maioria das vezes são irregulares. O pagamento via RPA é uma figura antiga que algumas prefeituras continuam mantendo e o Ministério Público deve cobrar mudanças nessas contratações irregulares. Falta cumprir o que é estabelecido por lei”, critica Darze.
O presidente do SinMed/RJ afirma que há como a Prefeitura de Niterói regularizar a situação dos médicos legalmente: “Para impedir a descontinuidade do serviço, a melhor solução é fazer um contrato emergencial com estes médicos por seis meses, que é previsto em lei e poderia ser renovado por mais seis meses. Com esse período de um ano de vigência do contrato emergencial, a prefeitura teria tempo hábil para organizar um concurso público”.
Procurada via assessoria de imprensa para se posicionar sobre as acusações, a Prefeitura de Niterói enviou a seguinte nota:
"A Fundação Municipal de Saúde esclarece que não haverá suspensão dos pagamentos aos prestadores de serviços por RPA. A atual gestão tem feito inúmeras reuniões e seminários em busca de alternativas para regularizar a contratação dos profissionais com vínculos precarizados de trabalho, não apenas na área de Saúde Mental, mas em toda rede. Hoje, após anos de sucateamento da saúde em Niterói, inclusive com o aumento no número de contratações por RPA, a Fundação Municipal de Saúde conta com cerca de 2.200 profissionais trabalhando por esse tipo de contrato.
Nas próximas semanas, a Fundação apresentará alternativas de gestão de pessoas que garantam vínculos de acordo com a legislação, a fim de solucionar o problema dos precarizados. A Fundação Municipal de Saúde informa ainda que todos os repasses ao INSS estão em dia".
*Do Programa de Estágio do Jornal do Brasil