A pacificação e a segurança vieram, com ressalvas, para alguns pontos do Rio de Janeiro. Para escapar do reforço no policiamento, a solução para boa parte dos criminosos foi atravessar a ponte e concentrar suas ações em Niterói. Quem sofre as consequências são os moradores da região, que vem registrando aumento da violência com maior índice de assaltos, alguns inclusive à luz do dia, e problemas relacionados ao uso e tráfico de drogas.
Além disso, o trânsito insiste em deixar a vida dos moradores ainda mais difícil, com engarrafamentos intermináveis. Como se não bastasse, uma caminhada pela orla é o suficiente para constatar o pouco policiamento e monumentos em estado precário de conservação.
André Joaca, músico que mora em Icaraí, teve o carro roubado há quatro meses. Ele contou que isso vem sendo constante no bairro:
"Eu moro em icaraí, e isso está sendo comum sim. Meu carro foi roubado há quatro meses, na porta de casa. A polícia até chegou a achá-lo, mas foi cerca de um mês depois e estava cheio de marcas de fuzil. Perda total do carro, é claro”, lamenta o músico. “Niterói está demais, muito violenta, muitos assaltos. As pessoas não se sentem seguras, e nada muda”, critica. Joaca defende o imediato reforço do policiamento em pontos estratégicos: “ É necessário mais policiamento nas ruas, para começar. Quase não se vê polícia de madrugada, por exemplo, nos locais onde estão acontecendo os assaltos: Rua Sete de Setembro, em Icaraí, ruas próximas ao Campo de São Bento, Rua Mariz e Barros, além do bairro de Santa Rosa”, alertou.
Nos três primeiros meses do ano, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), o balanço é negativo: o número de roubos, por exemplo, aumentou de 425 em janeiro para 527 em fevereiro e 543 em março. O número de furtos passou de 707 para 730 em fevereiro e caiu para 718 no mês seguinte. Os registros de ocorrência passaram de 2614 em janeiro para 2830 em fevereiro e 2906 em março.
UFF em perigo
Um funcionário da Universidade Federal Fluminense (UFF), que preferiu não se identificar, relatou ao Jornal do Brasil alguns dos maiores problemas que ele enxerga indo todos os dias para o campus onde trabalha: "Pra mim, um dos maiores problemas dos arredores da UFF é a Praça JK, que faz parte do Caminho Niemeyer e fica no caminho dos campi. Ela é deserta, à noite fica muito escura e, tanto ali quanto no caminho até o campus, serve de abrigo para mendigos, pedintes, usuários de drogas etc. Já soube de assaltos à luz do dia por ali. O policiamento é esporádico”, conta ele, indignado com a situação da cidade.
“Niterói está largada. Já presenciei, em Icaraí, um assalto. Um moleque surrupiou o celular de uma pedestre, que saiu correndo atrás dele. E em Icaraí, que é uma zona supostamente nobre da cidade", diz ele. Dentro da universidade, ele destaca que já houve problemas com drogas e furtos diversos.
"Não tenho conhecimento sobre assalto a alunos, mas já houve furtos a prédios para roubo de equipamentos. O campus é imenso e a equipe de segurança, apesar de fazer seu trabalho direito, é muito pequena para dar conta dele todo. Então, há vários acessos "extra-oficiais" e, de vez em quando, aparece algum marginal foragido se escondendo por lá", analisa. A situação para o funcionário não melhorava nem quando ele pegava o caminho para casa, em São Gonçalo. Em dezembro de 2012, um assalto no meio da estrada quase terminou mal para ele.
“Estava na linha 403, Trindade x Niterói, via BR, viação Rio Ita. Eram 23h, ônibus vazio, perfeito para quem quer roubar e deixar o passageiro sem poder fazer nada. Foi o que aconteceu. Depois disso, nunca mais peguei esse ônibus à noite” disse ele, lembrando que a violência em São Gonçalo é ainda maior do que em Niterói.
“Na minha área, o "bicho" não pega tanto. Apesar de ser um morro, não tem boca de fumo. Mas, como ela dá passagem para outros lugares, de vez em quando percebemos um movimento estranho, de carros e pessoas, por aqui. Ainda há os arrastões, aumento do tráfico no Morro da Coruja, aumento da violência no Gradim e em praticamente todos os bairros de São Gonçalo. É complicado”, finalizou.
"Desviar de zumbis"
O presidente de uma associação moradores de um bairro de Itaipu, em Niterói, que também por medo da alta criminalidade não quis se identificar, relatou a mudança de rotina de uma localidade tranquila para um bairro violento e com problemas de assalto e roubo de carro:
“Coloco tudo isso em razão também da pacificação do Rio de Janeiro, dos caras que vieram pra cá. Vivia-se na maior tranquilidade, janela aberta, bicicleta em frente ao mercado. Nos últimos seis meses, aumentou o índice de assalto. No mês passado, roubaram o carro do meu cunhado quando ele chegava em casa. Largaram ele lá em Maricá, e até hoje o carro não foi encontrado”, conta ele, que conta que o bairro tem três morros ao redor, o principal deles sendo a favela Pau Roxo.
Segundo ele, traficantes andam até de fuzil dentro da comunidade. “ A segurança pública está deixando a desejar em Niterói. E isso se estende até Maricá, Itaipuaçu e região dos Lagos. Está complicado, com esses caras todos vindo para cá”, disparou. Apesar de reconhecer que a responsabilidade maior é do governo do Estado, ele também culpa a prefeitura:
“O governo municipal tinha que se estruturar para estabelecer políticas que incentivem o esporte, o trabalho, para que eles não se associem ao tráfico”, opinou, contando em seguida uma história, passada há cerca de um mês, que mostra um pouco do que virou a rotina no bairro: “Um usuário de crack entrou na associação, bateu em uma garota que trabalha lá, e tive que imobilizá-lo. Bombeiros demoraram quatro horas para vir. Sem parceria, vamos ter que acabar desviando de zumbis”, finalizou.
Trânsito
Mario Eugenio Lopes, presidente da Federação da Associação dos Moradores de Niterói, lembrou de um ponto fundamental para os niteroienses: o trânsito caótico na cidade. A cidade, que teve um crescimento populacional de apenas 7% entre 2000 e 2013, teve um aumento do número de veículos de 117 mil em 2000 para 172 mil veículos em 2013, o que representa 46,9%. Lopes lembra que é fundamental que as obras do Mergulhão sejam realizadas, em um empreendimento prometido pelo atual prefeito, Rodrigo Neves(PT), e que tem como objetivo desafogar o trânsito na região . “Vamos( associações de moradores de Niterói) sentar com o prefeito para conversar, e estamos aguardando uma solução ainda para essa semana”, disse Lopes. A prefeitura, porém, não confirma a informação.
Lopes acredita que a mudança é absolutamente fundamental para o trânsito da cidade, que vem enfrentando o problema há alguns anos: “É fundamental para trânsito em Niterói. Qualquer problema na Ponte dá reflexo até São Francisco, é horrível demais”, finalizou ele.
Em um rápido passeio pelas praias de Niterói, o JB percebeu problemas pelos quais os moradores passam diariamente, e que ajudam a explicar a insatisfação dos niteroienses. Cabines da polícia tanto na praia de Icaraí, na região oceânica, quanto no Ingá, nas proximidades do Museu de Arte Contemporânea (MAC), estavam vazias. As instalações estavam enferrujadas e pareciam sem conservação há um bom tempo. O policiamento na região não foi visto.
Uma ponte, que originalmente é o caminho de que muitos turistas se utilizam para ir ao MAM, está interditada por falta de conservação. O vergalhão de sustentação e as vigas internas estão à mostra e é visível o estado de corrosão. A solução, porém, passa longe da manutenção: podia ser visto claramente o cimento fresco em cima da obra corroída, com o objetivo de maquiar os problemas.
Respostas
Em nota, a assessoria da prefeitura de Niterói diz que a previsão de inauguração do Mergulhão é novembro. Sobre a questão do trânsito, a prefeitura diz que “destaca-se a construção do BRT TransOceânica, uma obra que vai ligar o Engenho do Mato a Charitas, com a construção do Túnel Charitas-Cafubá, sem cobrança de pedágio, além de ampliação da capacidade da estação de barcas de Charitas, com compra de novas embarcações (conforme já divulgado pelo governo do estado) com capacidade para até dois mil passageiros, entre outras medidas”.
Com relação aos roubos e assaltos em Niterói, a prefeitura afirma que “criou o Gabinete de Gestão Integrada de Segurança (GGIM), criou o Regime Adicional de Serviço (RAS) da Guarda Municipal, renovou o convênio do Programa Estadual de Integração da Segurança (Proeis), anunciou a construção do Centro de Controle Integrado de Monitoramento por Câmeras, e tem buscado cada vez mais novas parcerias com os governos estadual e federal para ajudar a combater o problema da violência. Implantou, ainda, um grande programa de substituição de iluminação pública e poda de árvores na cidade, com vistas a inibir a ação de criminosos. Note-se que o combate a roubos, furtos e à violência, de modo geral, são tarefas constitucionais da polícia, órgãos estaduais e/ou federais”, e que ações de combate direto devem ser tratadas com o governo do Estado.
Procurada, a Secretaria de Segurança não atendeu às ligações do Jornal do Brasil.