Camilla Lopes, Jornal do Brasil
RIO DE JANEIRO - De maneira informal, a história da Cruzada São Sebastião é contada por seus moradores. Uma tradição oral que se espalha pelos corredores dos 10 prédios que formam o conjunto habitacional. São avós e bisavós que hoje tomam conta das novas gerações, nordestinos e até ex-perseguidos pela ditadura militar. Apesar de o tráfico de drogas estar presente, os moradores ouvidos pelo JB dizem achar que lá é o melhor lugar do mundo para se viver.
Uma coisa é certa, o espírito de coletividade é uma das primeiras referências percebidas por quem vai à Cruzada pela primeira vez.
Magdalena de Souza, 81 anos, descreve a história de sua mudança da favela da Praia do Pinto para a Cruzada.
Fiquei sem o meu barraco na Praia do Pinto no dia 14 de agosto de 1956. Durante o incêndio, eu perdi os meus cinco filhos de vista, entrei em desespero. Depois encontrei as crianças pela rua. Nós viemos morar no barracão em que moravam os trabalhadores da Cruzada, ainda em construção.
Dona Magdalena diz que deve muito a dom Helder Câmara, criador da Cruzada, porque as condições na Praia do Pinto a fazem corar de vergonha pela precariedade em que já viveu.
Eu tenho até vergonha de contar, mas a verdade é que nós convivíamos tanto com ratos que para nós era normal, assim como ir buscar água nas piscinas dos parques.
Há também aqueles que dizem ter optado por viver na Cruzada, pela ideologia de morar em comunidade. É o caso da assistente social, Márcia Vera, de 68 anos, há 30 morando ali.
Sempre fui socialista e, na ditadura, fui presa várias vezes. Caí na clandestinidade, fiquei quieta trabalhando como operária em uma fábrica de castanhas no Ceará, depois comprei apartamento aqui. A política de dom Helder era manter o pobre onde eles estavam. E eu sempre acreditei nisso. Aqui, criei meu filho e é aqui que estão as minhas raízes emociona-se.
Corações do Nordeste que vieram solitários ao Rio de Janeiro atrás de uma vida mais próspera, encontraram na Cruzada o fim do isolamento de quem vive longe da terra natal. Caso de Manoel João Camilo, 76 anos, também ex-morador da Praia do Pinto, que viu o barraco onde vivia com a família pegar fogo.
Eu vim de Campina Grande, na Paraíba. Quando cheguei ao Rio, fui morando nos barracões das obras que eu trabalhava. Na Praia do Pinto, era um lamaçal danado. Quando chovia, enchia de água.
Quando perguntados se alguma vez sofreram preconceito por serem moradores da Cruzada, a resposta é uma só: não.
Todo lugar que tem uma favela incomoda, né? Mas aqui são prédios, é diferente, é digno pra se viver explica Magdalena.