Paula Máiran, Jornal do Brasil
RIO - Mulher na calçada, à porta de um caixa eletrônico, bebê no colo, meia dúzia de crianças em torno. Ela não pede esmola pelo amor de Deus. Oferece chicletes a R$ 1. A venda não passa de estratégia de marketing em voga nas ruas para driblar o ceticismo do público alvo, descrente da legitimidade da cena. Demonstrar o esforço na venda de algum produto parece mais eficaz do que só pedir dinheiro, embora haja a pretensão declarada de despertar a compaixão alheia. E apelar para a piedade do próximo ainda funciona especialmente às vésperas do Natal. Mesmo em tempos de crise, pode render de R$ 20 a R$ 40 por dia.
Entradas de caixas eletrônicos estão mais disputadas do que portas de igrejas, cujos fiéis têm sido orientados a confiar seus donativos a instituições, não a pedintes. Sobre as pedras portuguesas encardidas da Rua São José, no Centro, reúne-se à porta de um caixa eletrônico um desses grupos de aspecto miserável. Nenhum mora nas ruas. Todos têm casa. Na Baixada Fluminense, a maioria. Todos passam os dias na calçada. A mais nova, Angélica, tem 1 ano e 9 meses, anunciada como sua filha pela mais velha, Andressa, de 18, que declara como primos Rafael, de 12, tamanho de 8; Márcia, 14, e Bruno, da mesma idade. Vanilson, de 16, e Tiago, 15, completam a família eventual.
Esmolas, drogas e furtos
Os meninos sentam sobre as suas caixas de engraxates. Tiago, gorro de Papai Noel, sorriso e conversa fácil, explica a rotina:
Engraxo, peço. Às vezes, faço aquela ação.
Mas que ação?
Aquela ação... O tíquete que alguém esqueceu na mesa do restaurante, um relógio... Até um guarda-chuva. Por causa do guarda-chuva, corri tanto que atropelei uma moto conta. Só não uso drogas nem aceito programas com homossexuais safados. Tem até mulher que faz cada convite... Queria mesmo era trabalhar numa lanchonete.
Um dos engraxates pede licença e afunda o rosto sob a gola da camiseta para tomar um remedinho eufemismo para cheirar solvente.
Cabelo descolorido, Rafael conta que já passou fome, por falta de gás, não de comida.
Tem aí pro gás lá de casa, tia?
O menino estufa o peito:
Trabalho desde que nasci e minha mãe já me trazia pra rua.
Andressa conta que vem todo dia, todo ano, o ano inteiro, de sua casa, perto do Lixão de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, para o Centro. Diz que segue o roteiro há uns três anos.
As pessoas estão mais pão-duras. Este Natal está pior com essa crise constata a vendedora de chiclete, a filha em sono pesado nos braços.
Em meia hora de conversa, o grupo só despertou a piedade de dois pedestres. A aposentada Marília Cabral, de 58, deixou R$ 6. Um homem, ao sair do caixa, jogou moedas na caixa de papelão de Andressa, que logo o identificou:
Ele vem aqui todo dia, o ano inteiro, só hoje deu essa força.
A jovem refere-se a Washington Moreira, de 33, tabelião substituto.
Ela sempre pede, nunca dou. Acho errado, mas o coração hoje ficou propenso a dar. O certo é que esses meninos têm um potencial que ainda precisam descobrir justificou Washington, morador de Caxias como os pedintes da Rua São José.