Marcelo Migliaccio, Jornal do Brasil
RIO - Dez, nove, oito, sete... A contagem regressiva para a chegada do Ano Novo com a festa natalina como aperitivo traz momentos de angústia para muitas pessoas que têm ou tiveram problemas com álcool e drogas. No período das comemorações de fim de ano, que percorrem o verão e só terminam na quarta-feira de cinzas, o índice de recaídas numa das maiores clínicas do Rio, por exemplo, chega a 30%.
Vem uma tempestade aí alerta a psicóloga Maria Thereza de Aquino, diretora do Núcleo de Pesquisa Atenção ao Uso de Álcool e Drogas (Nepad), da Uerj.
Segundo ela, que tem mais de 20 anos de experiência, é uma barra pesada não só para os que querem ficar longe da bebida e das drogas.
Os diabéticos também sofrem, é muita comida lembra. A maioria dos serviços a que o dependente costuma recorrer está em recesso. Muitas vezes, quando o terapeuta volta, o paciente recaiu.
O psiquiatra especializado em dependência química Jorge Jaber, que na clínica que leva seu nome atendeu mais de 3.800 pacientes nos últimos 13 anos, diz que as festas de fim de ano são especialmente perigosas para quem está em abstinência há menos de um ano.
Muita gente não tem experiência de passar por este período sóbria.
Jaber confirma que algumas clínicas até evitam dar alta.
Para os que não têm uma estrutura familiar saudável, não é recomendado. Aliás, os próprios pacientes mostram insegurança de sair neste período. Muitos pedem para passar o Natal e o Ano Novo na clínica, irmanados.
Nas noites de 24 para 25 e 31 para 1º, o telefone do médico não pára de tocar.
Recebo umas 30 ligações e acabo dando os números de outros que estão na mesma situação, para que eles troquem experiências e apoio.
No Carnaval, diz Jaber, o risco é ainda maior.
Não é uma festa familiar. Os que não estão respeitando a doença podem facilmente recair.
Mútua ajuda
Com terapeutas e serviços públicos de tratamento em recesso, as irmandades de mútua ajuda A.A. (Alcoólicos Anônimos) e N.A. (Narcóticos Anônimos) são um porto seguro nestes dias. Em vários pontos do estado, elas organizam ceias e até vigílias.
No Carnaval, fazemos reuniões contínuas do N.A. na Baixada, na Zona da Leopoldina, na Zona Sul. A primeira começa à meia-noite de sexta e a última termina ao meio-dia da quarta-feira informa J., 40 anos, há sete e meio sem beber nem se drogar.
Freqüentadora do Grupo Condor, do A.A., no Largo do Machado, T., 42, sete de abstinência, diz que é tradição uma ceia natalina só com água e refrigerantes bem como as reuniões no Réveillon.
Antes de ir para a festa na casa dos meus parentes, onde quase todos bebem muito, assisto a uma reunião. Nela, lembro do meu último porre, do estado em que cheguei ao A.A. e que não posso fazer nem um brinde.
J. revela que muitos membros do N.A., ainda inseguros, passam as noites de Natal e de Ano Novo na casa de companheiros e que quase ninguém se aventura em festas.
A maioria de nós já aprendeu que a noite foi feita para dormir.