Ana Paula Verly, JB Online
RIO - Matheus Rodrigues de Carvalho, 8 anos, morreu ontem de manhã com uma moeda de R$ 1 na mão direita. Com o dinheiro, compraria pão para tomar café da manhã com a família, na Favela Baixa do Sapateiro, no Complexo da Maré, na Zona Norte. Foi atingido por um tiro de fuzil na nuca ao atravessar a porta de casa, às 7h30, depois de voltar da escola, porque não teve aula. Moradores viram um policial do 22º BPM (Maré) atirar, mas ninguém teve coragem de prestar depoimento na 21ªDP (Bonsucesso), onde o crime é investigado, lamentou Marielle Franco, amiga da família da vítima.
Não temos uma testemunha que tenha ultrapassado a barreira do medo e testemunhado na delegacia. Sem relatos, a gente fica com pés e mãos atados desabafa Marielle, assessora do deputado estadual Marcelo Freixo (Psol), da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, que acompanha o caso.
Os moradores contaram que o menino foi atingido por um policial que perseguia um homem, supostamente do tráfico, com um rádio transmissor. Nenhum tiro foi disparado, além do que matou a criança, garantiram. Segundo Leonardo Melo, funcionário do Centro de Estudos e Ações Solidária da Maré, onde trabalha a mãe da vítima, as testemunhas viram o PM voltar em uma viatura com mais três policiais ao local do crime para tentar retirar o corpo, mas foram impedidos pelos moradores, que exigiram a presença da perícia.
Não entendemos como um menino de oito anos poderia ser confundido com um traficante criticou Leonardo.
Revoltados, moradores protestaram, tentaram invadir o Destacamento de Policiamento Comunitário, chamaram a polícia de covarde, pediram justiça e atiraram ovos no Caveirão . O corpo do Matheus só foi retirado da favela no início da tarde, depois de uma manifestação na Linha Vermelha, onde a polícia fez disparos na tentativa de conter a população e interrompeu o trânsito no sentido Centro. Por volta de meio-dia, um Corsa branco foi incendiado naLInha Amarela, em frente à Vila do João. A polícia precisou usar um carro blindado durante a retirado do veículo e fechar a via das 11h35 às 12h13, no sentido Barra, por causa dos protestos.
O comandante do 22º BPM, tenente-coronel Rogério Seixas, não quis falar sobre o assunto. À tarde, a PM divulgou nota para informar que houve confronto entre marginais de facções rivais da Baixa do Sapateiro e Nova Holanda. Atraídos pelos tiros, estiveram no local, onde apreenderam uma bolsa com drogas (possivelmente crack e maconha), além de um revólver calibre 38.
Para Marielle Franco, os policiais se assustaram ou agiram em represália por falta de propina.
Não era lugar estreito, beco, onde um traficante pudesse alvejá-los. Eles podem ter se assustado, porque o menino estava a uns 30 centímetros acima do chão, sobre o batente da porta. Tem a coisa do estereótipo: o menino era negro, de cabeça raspada, descalço e sem camisa.