Felipe Sàles, Jornal do Brasil
RIO - Enquanto o comércio ainda prepara a decoração de Natal, o espírito natalino já se concentra numa pequena sala de um edifício da Praça Tiradentes, onde acontece o 15º Curso de Papai Noel. É lá que cerca de 50 bons velhinhos ensaiam a noite feliz principalmente a deles, quase todos aposentados com a chance de terem uma renda-extra de até R$ 2,5 mil.
Conseguir uma vaga de Papai Noel, no entanto, está cada vez mais complicado em meio à indiferença do comércio e à descrença das próprias crianças, hoje inundadas em informação. Em busca do próprio presente, os candidatos a Papai Noel fogem dos shoppings e agendam também visitas às casas de famílias na véspera de Natal, quando a invasão só é autorizada mediante senha, devido ao medo de assaltos.
Diógenes Medeiros Lemos, 58 anos, é um dos papais noéis veteranos do grupo. Desde 2002, o ex-motorista de vans escolares passa os natais trabalhando em casas de família que contratam um dos cerca de 100 noéis formados pela equipe da Tapume Produções, responsável pelo curso. O compromisso o põe numa situação delicada junto ao neto, de nove anos, que realmente acredita ser parente do próprio Papai Noel.
Ele acha que eu me transformo em Papai Noel, e passar a noite de Natal trabalhando me ajuda conta. Mas o questionamento é muito comum. A crença depende das raízes da família, e é importante para manter a inocência das crianças.
Diógenes teoriza que as crianças de famílias mais carentes e mais novas são mais suscetíveis à crença no bom velhinho. A tese é compartilhada pela dona-de-casa Márcia Carneiro, de 38 anos, mãe de dois filhos Marcos, 13 anos, e Júlia, de oito. Ela mesma considerou quase uma ofensa a pergunta da reportagem do JB.
Eu sei que existem muitos por aí que se aproveitam do Papai Noel, mas claro que ele existe garantiu Júlia, de pés juntos. Ano passado mesmo ele esteve na minha rua.
Meu filho mais velho brinca com ela, mas ele é influenciado pelos amigos na escola afirma a mãe, para o orgulho da menina.
Por isso eu ganho os melhores presentes completou Júlia.
Papai Noel, só com senha
Algumas famílias tornaram-se clientes cativas dos papais noéis de Limachem Cherem, responsável pelo curso e pelo agendamento de seus cerca de 100 recrutados para a noite de Natal. Devido à insegurança, porém, Cherem teve de adotar senhas para evitar imprevistos.
Combino uma frase com o cliente e o Papai Noel só entra em suas casas mediante essa senha afirmou. Muitos já esqueceram, mas é um cuidado necessário.
Depois de 15 anos de experiência no ramo, Cherem reclama que o comércio e a indústria natalina transformaram a figura do Papai Noel numa imagem de deboche.
Muitas preferem comprar bonecos infláveis disse. Como qualquer profissão, estamos nos adaptando aos novos tempos. O mercado está mais restrito, mas temos feito muitas visitas a pessoas particulares.