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Governo tem sido infeliz em suas declarações, diz sociólogo

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Angélica Paulo, Agência JB

RIO - Desde que assumiu sua gestão como governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho adotou uma postura de combate ao crime organizado no Estado contestada por muitos. A política de cortar o mal pela raiz, invadir favelas para estourar paióis e desbaratar o tráfico de drogas, vem gerando resultados contraditórios.

No complexo de favelas do Alemão, Zona Norte da cidade, foram cerca de cinco meses de conflitos, com mais de 50 mortos, nem todos ligados à criminalidade. Na favela da Coréia, na Zona Oeste, 12 pessoas pereceram durante troca de tiros entre policiais e traficantes no local, entre eles uma criança de quatro anos de idade.

Seguindo a linha de Pereira Passos que, no início do século passado foi responsável pela reforma urbana que deu ao Rio a cara quem tem hoje, incluindo aí a retirada dos moradores dos antigos cortiços do centro da cidade para áreas mais afastadas, alavancando o surgimento das favelas, Cabral e seu sistema de segurança pública pretendem também utilizar a força para acabar com a violência que assola o Rio.

Professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro na área de "Metodologia das Ciências Sociais", o sociólogo Ignácio Cano discorda das recentes declarações do Secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame e também da recente entrevista concedida pelo governador Sérgio Cabral, onde ambos tentam justificar a violência recente na cidade.

JB Online: Recentemente o Secretário Estadual de Segurança Pública declarou que "um tiro em Copacabana é uma coisa. Na favela da Coréia é outra". O senhor acha que essa setorização de Zona Norte e Zona Sul é um pensamento que sempre existiu e o secretário somente verbalizou?

Cano: Eu acho que ele foi infeliz, mas ele revelou uma verdade histórica. Essa situação não é uma coisa atual, e sabemos disso. Infelizmente, a política de segurança pública privilegia a zona Sul, em detrimento da zona Norte. Mas o secretário foi realmente infeliz ao verbalizar isso. O fato de ser um problema histórico não significa que o Estado tenha que convalidar isso diante de toda a população.

JB Online: Qual seria a solução para que essa dualidade deixe de existir?

Cano: Para mudar essa situação, o Estado tem que mudar sua postura e promover um tratamento igualitário para toda a população, independentemente da área em que viva. Embora não seja responsabilidade dele (Beltrame) todo esse quadro, ele não pode citar essa diferença como uma coisa natural. Cabe ao poder público cuidar do Estado como um todo.

JB Online: O Governador Sérgio Cabral associou o número de filhos de uma moradora de favela à criminalidade existente nesses locais, atribuindo à essas áreas o status de "fábrica de marginais". O que o senhor pensa sobre essa visão?

Cano: Isso reflete muito o preconceito das pessoas. Em primeiro lugar, parece, através de uma declaração como essa, que a taxa de natalidade é basicamente associada ao problema da violência, coisa que não é verdade. Segundo, que faz parecer que mulheres com alto poder aquisitivo podem ter o número de filhos que quiserem, enquanto que as mulheres pobres devem ter limitado esse direito. Acho que isso tudo é uma visão preconceituosa, essa liberdade de ter filhos é um fenômeno mundial. As pessoas pobres têm mais filhos, mas isso não quer dizer que eles vão ser marginais.