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Cientistas políticos analisam papel de Bolsonaro por trás do fenômeno Witzel no Rio

Jorge Hely/AE -
Witzel em campanha, ontem, na Central do Brasil é cercado por jornalistas: ideário compartilhado com Bolsonaro garantiu desempenho, sob a bênção dos evangélicos
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O professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), Daniel Aarão Reis, considera o fenômeno Witzel, assim como o de seu padrinho político-eleitoral, o próprio Bolsonaro, a expressão de um complexo de fatores. “Em primeiro lugar, do apodrecimento do sistema político, a céu aberto, e da irritante falta de autocrítica dos principais partidos em admitir este fenômeno e propor soluções. Em seguida, eu relacionaria a questão da segurança, que está afligindo grandes maiorias e para a qual também não se formulam alternativas. Deveriam entrar ainda em linha de conta, finalmente, entre outras, as questões da saúde, da educação e da gestão dos valores morais e comportamentais, preferências sexuais, drogas etc”, analisa Aarão Reis.

O professor destaca que ambos, Witzel e Bolsonaro, se apresentam como salvadores, mas não apresentam soluções concretas: “Em sucessivas pesquisas, estas questões apareceram, sempre, entre as mais importantes para as pessoas. Sobre elas, os principais partidos não têm apresentado soluções. Witzel e Bolsonaro, a meu ver, também não o fazem. Mas têm conseguido se apresentar como ‘salvadores’ que irão, certamente, encontrar as soluções. Persuadiram as pessoas dizendo que, com eles, as questões serão enfrentadas e resolvidas. Por isso, ganharam os votos”.

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Witzel em campanha, ontem, na Central do Brasil é cercado por jornalistas: ideário compartilhado com Bolsonaro garantiu desempenho, sob a bênção dos evangélicos (Foto: Jorge Hely/AE)

Em relação à saída de cena de políticos experientes como Miro Teixeira (Rede), César Maia (DEM), Lindbergh Farias (PT), Otávio Leite (PSDB) e Simão Sessim (PP), que assumiria seu 11º mandato, Aarão Reis não considera que o episódio signifique o fim da política tradicional. “Ela tem reservas para resistir. Sobretudo, se empreender a autocrítica necessária. Se não o fizer, tenderá a ocupar um papel periférico ou irrelevante nos próximos anos”, prevê.

Para o professor do Programa sobre Economia Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Eduardo Martins, a ascensão de Witzel é claramente ligada à sua vinculação com Bolsonaro. “E também é resultado da crise política que se manifestou de maneira dramática no Rio de Janeiro, que entrou em colapso, sobretudo na área da segurança. Witzel surge como o franco atirador, o xerife que vai dar um jeito no estado, que cresceu na onda fascista que invadiu o país. Tudo isso junto à enorme desarticulação da esquerda, que se dividiu em três no estado, com as candidaturas do Professor Tarcísio (PSOL), de Marcia Tiburi (PT) e de Pedro Fernandes (PDT). Martins ressalta ainda a interferência do judiciário nas eleições, “ao impugnar a candidatura de Anthony Garotinho, que vinha crescendo na reta final. Parte desta votação se deslocou para Witzel”, contabiliza.

Sobre a não reeleição de caciques políticos fluminenses no Senado, Martins acha que não há uma reação específica contra eles. “Não significa que os novos também não vão praticar a velha política. E como pano de fundo há um papel forte das igrejas evangélicas, associado à desorganização das esquerdas. Em 1990, as igrejas neopentecostais representavam 7% da população. No fim da década de 1990, já eram 9%; em 2010, chegaram a 20%; e, agora, já são 27%, em cima da derrota do PT e do golpe. Os evangélicos passaram a concorrer com a esquerda na disputa pela esperança”, analisa.

Voto evangélico

Marcus Ianoni, professor de Ciência Política da UFF, tem uma explicação bem simples para ajudar a entender a ascensão meteórica de Witzel: “Na última hora, Bolsonaro, com o forte apoio das igrejas evangélicas — leia-se Universal e Assembleia de Deus — e das redes sociais, deu uma orientação para que todos votassem em seu candidato para o governo do estado do Rio de Janeiro. Com isso, conseguiu uma transferência de votos fulminante. Demonstra a capacidade de liderança do grupo de Bolsonaro, em função principalmente das redes sociais, muito usadas pelos evangélicos, e pelas mensagens via WhatsApp”.

Em relação à saída de cena da velha guarda da política, Ianoni não considera que o fenômeno possa representar o fim da velha política ou da política em si: “Nem uma coisa nem outra. Não existe o fim da vida política em si, só se acabasse a vida humana na Terra. Qualquer ação que vise ao poder do estado ou às decisões públicas se constitui em uma decisão política do estado ou das forças do governo. Qualquer decisão do estado é uma decisão política, porque, para fazer valer essa decisão, o estado pode usar a força. Por exemplo, se a mãe ordena ao filho maior de idade que não saia de casa, ele sai e ela usa a força para impor sua decisão, estará sujeita às leis do estado que impedem o uso da força”.

Conforme Ianoni, “o que se chama de velha política significa a formação de uma coalizão do governo presidencialista com o Congresso, como ocorreu de 1946 a 1964 e de 1985 até agora. Para acabar com isso seria preciso fechar o Congresso, ou ter 70% das cadeiras da Câmara e 60% do Senado. O PSL montou a segunda maior bancada do Congresso, porém, eles terão 50 cadeiras, insuficientes para aprovar qualquer lei. Se eleitos, serão obrigados a fazer coalizões ou, então, dão um golpe e fecham o Congresso, como chegaram a defender Bolsonaro e seu vice, o general [Hamilton] Mourão”.

O professor da UFF acredita que a bancada evangélica, os ruralistas e o Centrão já se aproximam para compor essa coalizão. “E não vão apoiar de graça, vão querer ministérios, ocupar cargos de primeiro e segundo escalões. Assim funciona a política em todo o mundo, de uma maneira mais ou menos aceitável. A maneira mais aceitável se basearia em um programa transparente, no entanto, não costuma ser assim. O que ocorre em geral é o fisiologismo ou clientelismo, que buscam cargos independentemente das ideias. Bolsonaro, contudo, continua pregando contra a velha política e quer substituí-la por pessoas. Acontece que a Câmara não empodera pessoas, e sim as lideranças partidárias”, explica.

Partido fisiológico

A professora de Ciência Política da UFRJ Clarisse Gurgel relaciona o crescimento de Witzel com “a ascensão no Brasil, como um todo, de partidos fisiológicos, como o PSL”. “A reforma política imprime a cláusula de barreira, que diminui a participação de partidos pequenos e fisiológicos. No entanto, um partido como o PSL cresceu e está em todo o Brasil, na carona de Bolsonaro e de seu filho, recordista de votos no Senado. Com isso, esse partido fisiológico ganhou um número expressivo de senadores, inclusive da área militar. Acho que o Brasil corre um sério risco de viver um segundo golpe, e a melhor forma de enfrentar esse risco é confrontar a legalidade com a legitimidade”, diz a professora.

Esse confronto, segundo Gurgel, se daria pelo voto em massa em Fernando Haddad. “Seria a única forma de os trabalhadores constrangerem a ilegalidade pela legitimidade, frente as forças conservadoras, para revitalizar a democracia”, propõe. Sobre a saída de cena de velhos políticos do Senado, ela acredita que o que existe não é o fim da política, que significa a disputa de poder. “Quando se mensura a correlação de forças dá uma sensação de impotência enorme. Há um setor da velha política que se fortaleceu, um exemplo é a eleição em primeiro turno de Ronaldo Caiado, o que há de mais conservador. Preocupante é que teremos um Senado e Câmara que poderão até poupar Bolsonaro de fechar o Congresso”, afirma.