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Entrevista - Marcia Tiburi: Revolução pela educação

Candidata do PT ao governo do Rio quer revolucionar o ensino médio para melhorar o Rio

Bruno Kaiuca -
Marcia Tiburi
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Foi a partir de um convite feito pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que a rotina da professora de filosofia Marcia Tiburi mudou completamente. Gaúcha, ex-PSOL, ela não era ainda filiada ao PT quando as conversas com Lula sobre sua candidatura ao governo do Rio de Janeiro começaram, ano passado.

Se eleita, Tiburi pretende ancorar seu governo na educação A ideia, segundo ela, é fazer “uma revolução no ensino médio”.

A entrevista para o JORNAL DO BRASIL foi feita no seu apartamento, no Flamengo, Zona Sul do Rio, que tem uma vista espetacular para o Pão de Açúcar.

Como sugestão de passeio, ela indicou São Gonçalo: “As pessoas não deviam rebaixar o turismo a uma festinha burguesa. É importante que as pessoas pensem no turismo também como fator de conhecimento. São Gonçalo é a segunda cidade mais populosa do estado e é uma cidade, infelizmente, abandonada pelo poder público. É importante ir a São Gonçalo para conhecer”.

Macaque in the trees
Marcia Tiburi (Foto: Bruno Kaiuca)

Como se tornou a candidata do PT ao governo do Rio?

Fui convidada pelo presidente Lula. A conversa começou no ano passado. Eu fui do PSOL e me desfiliei. Fiquei um tempo sem partido. Enquanto isso, me dedicava a fazer o que sempre fiz, que é dar aula de filosofia e falar sobre questões políticas. Acabei me envolvendo com a questão do golpe. Defendi muito Dilma Rousseff, porque foi uma tremenda de uma injustiça, e eu não poderia ficar calada, como feminista que sou. Acabei desenvolvendo uma conversa com Lula também por conta das minhas análises políticas que ele lia. Um dia, ele veio na minha casa. As conversas eram muito abertas e envolviam o próprio [diplomata] Celso Amorim [cotado inicialmente para ser candidato no Rio]. Acabei me filiando no dia 7 de março deste ano. A conversa da minha candidatura já existia.

Gostou de cara de ser candidata?

Era algo que eu nunca tinha imaginado, então, se colocou como um desafio. Considerando a situação do Brasil e do Rio, me sinto convocada por um dever de cidadania. É um dever político, ético, da participação da simples cidadã que sou, uma professora, escritora, mulher, que me vi convocada. Teve a questão de ser uma candidatura de uma mulher, mas outra coisa que me tocou muito foi o desejo, que é uma utopia para várias pessoas, de unir as esquerdas em torno de uma luta comum.

Por que essa união não aconteceu?

Infelizmente, por conta dos partidos e seus jogos de poder.

Por que seu nome prevaleceu ao de Celso Amorim?

Ele também tinha sido convidado pelo Lula. Se ele não fosse, eu iria. Ele foi generoso comigo. Falou coisas bonitas para mim, do futuro das mulheres, do momento de desconstruir o lugar do poder usado e abusado pelos mesmos de sempre no Rio. Fico feliz em ser mulher e candidata, tendo em vista o lugar que as mulheres ocupam hoje, excluídas da política, minorizadas no contexto político. Esses políticos que são mais do mesmo, na verdade, são conchavados. Eu me sinto uma pessoa que vem atrapalhar a vida deles, atrapalhar um jogo de poder.

Se eleita, como será seu governo?

Eu espero que a gente possa fazer uma política antipersonalista, com muita participação popular. Ao mesmo tempo, não podemos descartar a vida e trajetória dos personagens que fazem política. Nós, mulheres feministas, quando nos dedicamos ao governo, tentamos resolver problemas.

Quais?

Tenho muita confiança que, investindo em educação, a gente pode melhorar a curto, médio e longo prazo a história do nosso país e do nosso estado. Queremos fazer o que é atribuição do estado, que é o ensino médio. Queremos fazer uma revolução no ensino médio, construindo um plano estadual de educação. O Rio é o único estado da nação que não tem isso. Precisamos de um plano que seja construído de maneira coletiva com os professores, as escolas. Criando também um sistema estadual de educação, ligado aos municípios, às escolas federais e universidades. Fazer ensino médio de qualidade e integral. Queremos fortalecer as Faetecs. Algumas estão fechadas. Alguns prédios estão semidestruídos. Queremos recuperar essas escolas porque também queremos investir em infraestrutura. Com obras nas escolas, imediatamente, criamos empregos. Queremos criar uma bolsa de estudos que consiga interromper um processo sórdido que é a evasão escolar. Existem 380 mil jovens fora da escola no ensino médio.

Temos verba?

Temos que conversar com o governo federal. Por isso, esperamos que o PT também seja eleito em nível nacional. Nesse caso, tudo vai ser muito fácil para nós. Precisamos fazer conversas em torno desse regime de regulamentação fiscal, discutir a dívida pública considerando as dívidas que a União tem com o estado. Precisamos discutir a questão dos impostos. A gente pode fazer um processo de redefinição de impostos, como ICMS, e grandes fortunas para arrecadar dinheiro e criar um fundo para a educação. Queremos arranjar dinheiro de todo lado para poder sustentar a educação no Estado do Rio de Janeiro. A bolsa é nossa prioridade, porque precisamos fazer com que os jovens fiquem dentro da escola. Gostar da escola eles vão, porque a escola será maravilhosa, mas eles precisam desse apoio. Porque alguns não têm o que comer, o que vestir. E todo mundo sabe que muitos desses jovens acabam, muitas vezes, encontrando na criminalidade uma bizarra saída para suas vidas imediatas para não morrer de fome. Muitas pessoas consideram que os meninos e meninas acabam se lançando na criminalidade porque assim o desejam, o que não é verdade. Cultura, educação, obras de infraestrutura. A gente pensa que o estado tem uma função que está sendo apagada dentro dessa conversa fiada do neoliberalismo.

Qual plano para segurança?

É preciso pensar em uma polícia de aproximação. Já houve um projeto que não deu certo, nessa direção. Falo das UPPs, porque pensamos em transformá-las em centros de defesa dos direitos da cidadania. Um local onde as pessoas poderiam fazer desde um documento a ter apoio psicológico.

Pergunto outra vez: tem dinheiro?

Vamos buscar dinheiro para investir em inteligência porque com inteligência a gente consegue muita coisa. Temos três universidades estaduais, quatro federais, centros de pesquisa importantíssimos. Vamos usar o que a gente tem em termos de inteligência para fazer avançar os setores que precisam de atenção, de um governo que demarque sua função. Um governo que assuma que é governo.

Se houver dificuldade de negociação, em Brasília, qual o plano B?

É triste falar em plano B, porque sou uma pessoa otimista. Se não fosse, não estaria nessa condição de candidata, lutando pela vitória. A gente precisa lutar pelo Rio de Janeiro. Vamos conversar com todos os setores da sociedade. Vamos discutir como fazer o Rio sair dessa crise, de maneira translúcida, aberta, com política de gestão aberta para que o cidadão saiba como funciona o governo e possa participar dele. Tem coisas que não são difíceis de fazer como, por exemplo, um gabinete digital.

Circulou um meme, nas redes sociais, que pinçava declarações em que você dizia não ser contra assaltos. O que houve?

Existem grupos que ficam produzindo fake news, que chamo de milícias midiáticas. Dei uma entrevista em 2015 onde usei um exemplo bem esdrúxulo, onde eu dizia que posso provar que sou a favor ou contra o assalto, dependendo da construção do argumento. Eu estava justamente fazendo uma provocação. Quando do julgamento do presidente Lula, em Porto Alegre, fui a uma rádio e encontrei um desses milicianos midiáticos. No dia seguinte, começaram a fazer recortes de falas minhas e pegaram isso. Nós rastreamos. Saiu de Porto Alegre. Foi um recorte maldoso com o objetivo de conspurcar a imagem de alguém que lhe atrapalhou.

Atrapalhou sua campanha?

Os publicitários mais perversos consideraram que até fez bem, porque muitas pessoas ficaram me conhecendo. É assustador falar isso. Eu fiquei preocupada, porque fui muito ameaçada por essas milícias. Faz parte da miséria que atinge o Brasil e da fascistização do mundo, contra a qual vivo lutando.