As 160 mortes registradas em confrontos com a polícia em janeiro deste ano, que representaram um crescimento de 82% deste tipo de homicídio na comparação com dezembro do ano passado, ainda é vista apenas como um indício, mas especialistas alertam que as propostas polêmicas do governador Wilson Witzel (PSC) para a segurança pública do estado como a defesa de que atiradores de elite da polícia possam matar criminosos portando fuzis e o uso de aeronaves como plataformas de tiros , se postas em prática, podem elevar ainda mais os patamares da violência no Rio.
A defesa de uma maior letalidade policial com o pretexto de se defender a população "de bem" surgiu como argumento oficial na operação da Polícia Militar que deixou 15 mortos no Morro do Fallet, na região Central do Rio, no início do mês. Witzel chegou a fazer elogios a ação policial: "Foi uma ação legítima da Polícia Militar". Moradores afirmam, porém, que os mortos foram rendidos e executados pelos militares. A corporação, por sua vez, sustenta que uma equipe foi atacada e que suspeitos morreram no confronto.
O uso de aeronaves para efetuar disparos durante operações da polícia no Complexo da Maré, na Zona Norte do Rio, no mês passado, e também na Cidade de Deus, na Zona Oeste, na última quinta-feira, também aterrorizou moradores das comunidades. Houve ainda denúncias dos moradores da Favela de Manguinhos, na Zona Norte, de que pelo menos cinco pessoas que morreram baleadas desde outubro foram atingidas por projéteis disparados do alto de uma torre da polícia por snipers.
Para o deputado Waldeck Carneiro, do PT, "se as operações policiais militares em favelas resolvessem o problema da violência no Rio, o estado já deveria estar exportando tecnologia de combate ao crime há muito tempo". O parlamentar acredita que as operações com muitas mortes e feridos não são as mais exitosas. Pelo contrário, mostram que não houve uma estratégia adequada.
"Essa política de segurança não tira proveito do preparo, da inteligência dos nosso policiais. Ao contrário, lança-os a essas operações de matar ou morrer, que não controlam a violência. É o clássico tema da criminalização da pobreza e da favela. Não estou lançado uma culpa ou responsabilidade no policial, que está na ponta apertando o gatilho. Nós sabemos que esse gesto é incentivado, estimulado por essa lógica da cultura de guerra. A polícia não pode ser vista como máquina de matar", avalia Waldeck.
A deputada Renata Souza (PSOL), que deverá ser a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), diz que a segurança pública de Witzel é "do espetáculo, das megaoperações, que perpetuam a irracionalidade da lógica da guerra". Ela considera ainda que não existe um planejamento, uma inteligência nessa política, que possa trabalhar com respeito à dignidade humana.
"A gente não vê o Witzel apresentar nenhum plano de redução da violência. A não ser essa promessa de 'atirar na cabecinha', o que é escandaloso por ele ser um governador eleito por um partido cristão. Isso é muito sintomático da construção de um inimigo que é a favela e tudo o que ela representa, que é a retirada dos direitos", afirma a deputada.
De acordo com o sociólogo José Cláudio Souza Alves, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), a política de segurança pública de Witzel é a mesma empregada pelos ex-governadores Sérgio Cabral e Luiz Fernando Pezão, ambos presos, que está sendo "endurecida".
"Tenho chamado isso de política de execução sumária, que se transformou em política de segurança pública. Isso vem de 2007. Foi inaugurada com aquela operação no Morro do Alemão, comprovadamente uma ação de execução sumária por parte da polícia. Ali, foi ação que inaugurou essa fase dentro da política de segurança pública do Rio. E parece que agora ela está endurecendo e piorando", comenta o sociólogo.
Alves alerta que essa visão de proteção ao agente de segurança na prática de execução sumária vai piorar ainda mais a situação das milícias: "As próprias milícias, constituídas por policiais e por agentes de segurança, agora não vão mais precisar usar capuz. Vão poder atuar como policiais, matando, e vão ser absolvidos, porque vão estar agindo dentro do uso dessas próprias incumbências, enquanto policial que tem que matar".
Estatísticas
Segundo as estatísticas, o Rio de Janeiro registrou 1.530 mortes nas mãos de policiais em 2018, o ano mais letal desde o início da série histórica, em 2003. A violência também cobrou a vida de 92 agentes da Polícia Militar no ano passado. Em 2017, tinham sido 163.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, apresentou ao Congresso um projeto de lei que endurece o regime de prisão para membros do crime organizado e habilita os juízes a reduzir e inclusive deixar de aplicar penas a agentes do Estado que, agindo em legítima defesa, tenham uma reação excessiva devido ao "medo, surpresa ou violenta emoção". Para os defensores dos direitos humanos, o projeto dá "carta branca" para a polícia executar suspeitos.
Para o sociólogo Ignacio Cano, o uso de drones para localizar bandidos e de snipers para desferir o "tiro na cabecinha" seria uma forma diferente de se aplicar essa política do extermínio, supostamente com tecnologia mais moderna: "Pelo menos essa é a visão que o Witzel quer transmitir. Na verdade, algumas coisas que ele propõe, como essa história dos snipers e do helicóptero, historicamente nem sequer foram demandas dos setores mais duros da polícia. Então, ele tira várias coisas da cabeça dele e acha que isso que vai resolver", analisa Cano.
De acordo com o pesquisador, a política de Witzel é de extermínio: "É de tentar matar bandidos, alguns de certo tipo designado como supostos inimigos sociais, e aí vai morrer um monte de gente que não têm nada a ver. Essa é a política que tem sido defendida tanto pelo governo federal quanto estadual".
Ontem, o JORNAL DO BRASIL mostrou que uma testemunha da morte da menina Jenifer Gomes, de 11 anos, na terça-feira, dia 14, em Triagem, na Zona Norte da cidade, baleada no peito próximo ao bar da mãe, contesta a versão da polícia de que ela foi atingida durante um confronto entre traficantes. Na versão da testemunha, no dia da morte, dois policiais militares teriam entrado na favela disfarçados e mudado de roupa dentro do carro da PM. A matéria também revelou mapeamento do laboratório de dados sobre violência armada do Fogo Cruzado mostrando que no primeiro mês do ano, houve UM aumento de 54,07% no número de ocorrências com presença de agentes de segurança. Esse ano, já houve 208 registros, contra 135 no mesmo período de 2018.
A Assessoria de Imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar informou que o comando da corporação não compactua com nenhum possível desvio de conduta de qualquer um de seus militares. A Corregedoria monitoraria, atuaria e puniria todos os envolvidos em tais práticas quando identificados e comprovados os fatos. Ainda de acordo com a PM, o Comando de Operações Especiais (COE) da Polícia Militar já trabalha com atiradores capacitados para as demandas de alta concentração, precisão e complexidade há vários anos.