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Abrigos ficaram sem refresco

Prefeitura comprou aparelhos de ar-condicionado que não puderam ser instalados por falta de rede elétrica

Beto Herrera / Jornal do Brasil -
Abrigo em Realengo, que ficou com dez aparelhos de ar-condicionado mofando no almoxarifado
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Quando não é o corte de orçamento que deixa os moradores de rua em situação ainda mais vulnerável no Rio, é o mau uso do dinheiro público que os prejudica. Quando assumiu a Secretaria de Assistência Social do município, em 2017, a vereadora Teresa Bergher (PSDB) descobriu que aparelhos de ar-condicionado comprados pela prefeitura para os Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS) estavam mofando no almoxarifado, porque a rede elétrica instalada não era compatível com a carga elétrica necessária para colocar o equipamento em funcionamento. Segundo ela, o abrigo que funciona ao lado do CREAS Aldaíza Sposati, em Realengo, tinha mais de dez aparelhos de ar-condicionado guardados, sem uso, e os abrigos estavam em péssimas condições.

A secretária diz que levou o prefeito para ver as condições em que as pessoas viviam no local. Na ocasião, ele teria prometido mandar reformar a rede elétrica e chegou a dar um cheque simbólico de R$ 150 mil para que fosse feito o serviço. O dinheiro seria do camarote da prefeitura na Sapucaí que foi vendido. Mas, conforme a vereadora, o dinheiro nunca chegou, ficou só no cheque simbólico.

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Abrigo em Realengo, que ficou com dez aparelhos de ar-condicionado mofando no almoxarifado (Foto: Beto Herrera / Jornal do Brasil)

De acordo com a vereadora, os aparelhos foram comprados pelo então secretário Adilson Pires, na gestão do prefeito Eduardo Paes. Outros cem aparelhos também estariam guardados em um almoxarifado no Sampaio. Mas, Teresa não pôde fazer a instalação porque a rede elétrica dos abrigos não comportava: “Encontrei uma situação extremamente absurda, compraram aparelhos sem que houvesse condição para fazer a instalação. Eles estavam mofando, se estragando. Infelizmente, a verba que tínhamos mal dava para pagar a comida dos abrigos e o prefeito, em uma das crises, chegou a me orientar que fechasse os abrigos. Eu, claro, relutei, disse que não fecharia abrigo nenhum, que as pessoas não tinham para onde ir”, conta Teresa.

Segundo a vereadora, diante da crise na saúde e na assistência social, com hospitais e abrigos sofrendo com o calor, ela vai fazer um requerimento de informações à prefeitura para saber que fim levaram os aparelhos depois de sua saída. “É uma ausência total de planejamento, faltar aparelhos de ar-condicionado nos hospitais, enquanto os mesmos aparelhos apodrecem no almoxarifado da prefeitura. O nome disso é descaso com o dinheiro público, que começou na gestão de Eduardo Paes, que comprou aparelhos que não poderiam ser instalados, e continuou com Crivella, que largou tudo pra lá apodrecendo. A prefeitura tem que dar conta desses aparelhos. Vou fazer uma representação ao Ministério Público”, disse Teresa.

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Rosemberg elogia o atendimento, mas diz que prazo dado para arranjar emprego nem sempre é suficiente (Foto: Beto Herrera / Jornal do Brasil)

Com relação aos aparelhos de ar-condicionado, a prefeitura informou que foi apresentada uma emenda parlamentar pelo deputado federal Deley (PDT) para atender aos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (CREAS). Os aparelhos foram adquiridos por meio de convênio com o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome em 2016. No ano seguinte, começaram a ser instalados. Do total, 28 aparelhos portáteis e 70 do tipo split foram instalados nas unidades. “Restam apenas 16 aparelhos split a serem instalados que necessitam de revisão da parte elétrica para que as instalações sejam concluídas”.

Corte nas despesas

Ontem, o JORNAL DO BRASIL publicou reportagem mostrando que o prefeito Marcelo Crivella cortou R$ 103 milhões do orçamento da Assistência Social para 2019. A redução de 23% em comparação ao valor empenhado no ano passado compromete ainda mais as políticas públicas da pasta implementadas na cidade. Segundo levantamento feito em janeiro deste ano, a prefeitura calcula que existam 3.715 pessoas vivendo nas ruas do Rio, mas especialistas ouvidos pelo JB afirmam que esse número está subestimado e pode chegar a 15 mil — 5 mil deles, só no Centro.

A equipe do jornal esteve no abrigo em Realengo e encontrou o CREAS Aldaíza Sposati fechado. Apesar disso, os abrigados tinham mais elogios do que reclamações em relação ao atendimento prestado no local. O pintor de paredes Wagner Felipe está há cinco meses lá e foi encaminhado para tratar de dependência química. “[O abrigo] tá me dando suporte pra eu poder me levantar e sair da rua, tirando os documentos todos, me ajudando a procurar trabalho. Tudo que pedi, me ajudaram”, diz.

Rosemberg Carneiro de Souza, 30 anos, também elogia o trabalho. O único problema, segundo ele, é o prazo para sair. “O abrigo não foi feito só pra abrigar e mandar embora, mas pra voltar à sociedade com a cabeça erguida. Às vezes, dão nove meses, mas nem sempre se consegue emprego. Somos muito discriminados. Seria melhor que dessem tempo pra que a gente mostrasse pras pessoas que não somos nada daquilo que elas enxergam. Estou nessa vida desde os oito anos. Até agora, não construí nada, mas tenho o sonho de voltar pra minha família ou de construir algo e conseguir meu teto”, diz o auxiliar de serviços gerais, que fez curso de capacitação na prefeitura e aguarda uma chance de emprego.

Beto Herrera / Jornal do Brasil - Rosemberg elogia o atendimento, mas diz que prazo dado para arranjar emprego nem sempre é suficiente