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MP cobra mais atitude contra o preconceito

Procuradores querem interventores rechaçando, publicamente, qualquer manifestação de ódio a minorias

Philippe Lima/Seseg -
O secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes (em primeiro plano), e o interventor da segurança no estado, general Braga Netto: recomendações não são obrigatórias
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O Ministério Público Federal e o Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro encaminharam, ontem, ao interventor federal, general Walter Braga Netto, e ao secretário de Segurança Pública do Rio, Richard Nunes, um documento recomendando uma série de medidas a serem tomadas pelos órgãos de segurança para combater casos de ameaças e agressões motivadas por preconceito contra orientação sexual, ideológica, religião, raça ou quaisquer crimes de ódio. As informações foram divulgadas pelo site do jornal “O Globo”.

Os procuradores sugerem que os boletins policiais incluam um “campo que possibilite a identificação do motivo do crime, quando este resultar de intolerância, ódio ou qualquer forma de discriminação”, como forma de fazer “o registro minucioso da motivação” dos atos de intolerância. “Para estes efeitos, recomenda-se a criação dos campos: origem, raça/cor, etnia, religião, deficiência física, orientação e/ou ideologia política, identidade de gênero e/ou orientação sexual, do agressor e da vítima, ou outro elemento motivador do crime, independente de sua natureza, respeitado o direito da vítima a declarar apenas o que desejar”, lista um dos trechos.

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O secretário de Segurança do Rio, general Richard Nunes (em primeiro plano), e o interventor da segurança no estado, general Braga Netto: recomendações não são obrigatórias (Foto: Philippe Lima/Seseg)

De acordo com o jornal, a recomendação destaca que, para as ocorrências de agressões contra mulheres trans e travestis, os agentes devem seguir os protocolos determinados por uma portaria da Polícia Civil publicada em maio deste ano. Entre as regras fixadas, figuram a preferência pelo atendimento feito por agentes policiais femininas e o respeito ao nome social utilizado pela vítima, além da oferta de acolhimento em alguma instituição do Estado.

Um registro policial mais minucioso das denúncias também está previsto no documento para as ocorrências relativas a intolerância religiosa, como a informação sobre a religião professada pela vítima. O objetivo, no caso, é possibilitar o levantamento estatístico dos casos de violência.

Medidas judiciais

Assinadas em 8 de novembro pelos procuradores regionais dos direitos do cidadão Ana Padilha de Oliveira, Sergio Gardenghi Suiama e Renato de Freitas Machado, do MPF, além da promotora Liana Barros Cardozo, da 4ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa da Cidadania, do MP estadual, as recomendações feitas pelo MP não são obrigatórias, mas os procuradores advertem que o descumprimento pode resultar em medidas judiciais: “Esclarece o MINISTÉRIO PÚBLICO que o não acatamento infundado do presente documento ou a insuficiência dos fundamentos apresentados para não acatá-lo total ou parcialmente poderá ensejar a adoção das medidas judiciais cabíveis”.

De acordo com os procuradores, as recomendações foram motivadas pelos casos de crimes de ódio registrados no processo eleitoral deste ano, entre os quais, episódios de agressões a cabos eleitorais do candidato petista à Presidência da República Fernando Haddad: “No contexto das eleições de outubro de 2018, foram publicadas várias notícias jornalísticas denunciando uma série de atos de intolerância, caracterizados por ofensas, injúrias, intimidações, ameaças e/ou agressões de cunho ideológico e/ou contra grupos minoritários — em especial, integrados por mulheres, negros e LGBTQIA”.

Os procuradores ressaltaram que o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) já “rechaçou qualquer tipo de apoio à violência contra as minorias” em pronunciamentos públicos e solicitaram que as autoridades dos órgãos de segurança do Rio também fizessem o mesmo.

Na semana passada, um decreto publicado Diário Oficial do Estado do Rio —assinado pelo general Braga Netto — criou a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) na estrutura da Polícia Civil. A unidade ficará subordinada ao Departamento Geral de Polícia Especializada e será inserida no programa Delegacia Legal. O decreto estabelece que as normas para a organização e operacionalização da Decradi serão definidas pela Secretaria de Segurança.

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As recomendações

1 A promoção da pacificação das manifestações de intolerância, adotando as medidas cabíveis para a orientação, nesse sentido, das Forças de Segurança no Estado do Rio de Janeiro e ampliando os canais de denúncia existentes junto à população;

2 O pronunciamento público, se possível por meio de veículos de imprensa, no sentido de fomentar a pacificação social em razão do elevado número de atos de intolerância e violência, decorrentes do já encerrado processo eleitoral;

3 Nos casos de atos de intolerância caracterizados por ofensas, injúrias, intimidações, ameaças e/ou agressões de cunho ideológico e/ou contra grupos minoritários, o registro minucioso da motivação desses atos quando da elaboração de seus respectivos termos de ocorrência; com o enquadramento deles no artigo 208 do Código Penal, caso a motivação seja religiosa, ou em um dos artigos da Lei nº 7.716/1989, caso a motivação seja por raça, cor, origem, etnia, religião, ou no dispositivo legal que se mostrar mais preciso;

4 No sentido da recomendação exarada no item 3, a inclusão nos termos de ocorrência policial – especialmente naqueles que tratem de crimes contra a honra, de ameaça, de lesão corporal, de homicídio, contra o sentimento religioso e resultantes de preconceito de raça ou de cor – de campo que possibilite a identificação do motivo do crime, quando este resultar de intolerância, ódio ou qualquer forma de discriminação. Para estes efeitos, recomenda-se a criação dos campos: origem, raça/cor, etnia, religião, deficiência física, orientação e/ou ideologia política, identidade de gênero e/ou orientação sexual, do agressor e da vítima, ou outro elemento motivador do crime, independente de sua natureza, respeitado o direito da vítima a declarar apenas o que desejar.

5 A observância integral de todos os artigos da Lei Estadual nº 7.855/2018, de modo que a Polícia Civil elabore os registros de ocorrência envolvendo instituições religiosas e seus praticantes com a tipificação do artigo 208 do Código Penal, conforme item 3 da recomendação, e de modo que o ISP providencie e registro e o tratamento adequado dessas ocorrências visando à geração de estatísticas sobre o fenômeno da intolerância religiosa, bem como de boletins e demais estudos; não bastando o mero apontamento, nos registros de ocorrência, acerca de se tratar de caso de intolerância religiosa, devendo ser informado a qual denominação religiosa pertence a vítima;

6 Nas ocorrências de violência contra mulheres trans e travestis, sejam observados pelos agentes da Polícia Civil os procedimentos de atendimento, oitiva e encaminhamento previstos na Portaria PCERJ nº 848 de 15/05/2018, sob pena de configuração de transgressão disciplinar na forma do Decreto-Lei nº 218/75.