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Ministério Público do Rio decide priorizar apuração de homicídios de crianças e adolescentes

José Lucena/AE -
Enterro de Wanderson dos Santos, 16 anos, no dia 5, morto por bala perdida durante operação policial no Morro da Fé, na Vila da Penha: MP quer acabar com impunidade
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O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) tomou uma decisão que pode ser fundamental para diminuir as mortes de crianças e adolescentes no estado. Ontem, o procurador-geral interino, Ricardo Ribeiro Martins, e a corregedoria do próprio MP assinaram uma resolução que dá prioridade absoluta à apuração e à responsabilização de crimes que tenham como consequência a morte de crianças e adolescentes, na semana em que se comemorou o Dia Mundial da Criança, no último dia 20.

Somente no ano passado, 1.277 meninos entre 10 e 19 anos foram assassinados no estado. Pior: os dados da capital mostram uma tendência de crescimento dessas mortes. Se em 2015 houve 278, em 2016 esse número subiu para 335 — um aumento de 20,5%.

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Enterro de Wanderson dos Santos, 16 anos, no dia 5, morto por bala perdida durante operação policial no Morro da Fé, na Vila da Penha: MP quer acabar com impunidade (Foto: José Lucena/AE)

A resolução é parte de um intenso debate promovido pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e outras 21 instituições, que formaram há um ano o Comitê para Prevenção de Homicídios de Adolescentes no Rio de Janeiro.

A promotora Eliane de Lima Pereira, coordenadora da Assessoria de Direitos Humanos e Minorias do MPRJ explica como se deu todo o processo. “Há mais de um ano, o Unicef resolveu atuar em relação ao número de homicídios de adolescentes no Rio. Por que esse recorte? Porque, no Brasil, é perceptível, em fontes como o Atlas da Violência, que a faixa etária com tendência de aumento de homicídios é entre 10 e 19 anos. Esses dados são do DataSUS (Sistema Único de Saúde)”, disse a promotora.

Três respostas para estudo

Segundo ela, quando o MPRJ se aproximou do Unicef, um estudo de prevenção de mortes de adolescentes começou a ser feito. “Pensamos como MPRJ poderia contribuir para mudar essa triste realidade e chegamos a três respostas”, lembra.

A primeira delas: no caso do adolescente morto, o MP tem de seguir o que está escrito na Constituição, no Estatuto da Criança e do Adolescente e na Convenção Internacional dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes, que exigem o cumprimento do princípio da prioridade constitucional absoluta. “Para colocá-la em prática quanto à prevenção de homicídios sofridos por adolescentes, vamos priorizar a investigação da morte de crianças e adolescentes. Ou seja, o que estamos sinalizando, como MPRJ, é que vamos nos concentrar nesse trâmite”, enfatizou a promotora.

Eliane faz uma imagem de fácil entendimento. “Se houver uma pilha com cem processos, e 30 são relacionados a mortes de crianças e adolescentes, estes vão para cima da pilha”, explicou ela, ressaltando a baixíssima taxa de resolução de homicídios em termos nacionais: apenas 8%. “No Rio, infelizmente, talvez seja até menor esse percentual”, calcula.

A segunda resposta encontrada pelo MP para reduzir a incidência de mortes de adolescentes: “Vamos olhar o orçamento estadual em relação aos três eixos mais importantes para a prevenção de homicídios de crianças e adolescentes: saúde, educação e assistência Assim, vamos analisar em minúcias o orçamento do governo estadual em relação a essa prevenção, que pode ser feita, por exemplo, com recursos que combatam a evasão escolar. O poder público tem de chegar antes de a bala alcançar uma criança e um adolescente”, diz.

A terceira resposta: “Toda unidade de saúde que tenha mais de cem nascimentos por mês deve ter um cartório, para reduzir o sub-registro. A certidão de nascimento é o primeiro passaporte da cidadania a ser recebido por uma criança. Por incrível que pareça, crianças sem esse documento são uma realidade no nosso estado”, aponta.

A resolução do Ministério Público do Rio, na prática, pressiona as polícias civis e militar e a Defensoria Pública a encamparem a missão humanitária. Coordenadora do Unicef no Rio, Luciana Phebo acredita que a iniciativa vá trazer resultados importantes. “Com a prioridade do MPRJ aos processos que envolvam mortes e tentativas de assassinatos de adolescentes, a impunidade dessas mortes vai diminuir com certeza”, disse ela.

O debate no MPRJ continua amanhã, quando será anunciado o número de crianças e adolescentes mortos em 2017.