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Uma rede de ajuda às uniões homoafetivas

Casais LGBTI apressam seus casamentos temendo mudanças da legislação na era Jair Bolsonaro

Beto Herrera/JB -
Juntas há 12 anos, Réizel Baere e Ana Claudia Pereira vão oficializar a união no próximo mês. Em ateliê na Barra, conseguiram até a doação dos vestidos de noiva
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Com a vitória de Jair Bolsonaro à presidência da República, depois de diversas declarações contrárias à causa LGBTI (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais, Transgêneros e Intersexuais), durante seus sete mandatos como deputado federal, a comunidade tem pressa: querem realizar o sonho da união homoafetiva o quanto antes, temendo a perda do direito já conquistado.

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Juntas há 12 anos, Réizel Baere e Ana Claudia Pereira vão oficializar a união no próximo mês. Em ateliê na Barra, conseguiram até a doação dos vestidos de noiva (Foto: Beto Herrera/JB)

Na onda de desejos de união, uma rede espontânea de apoio está possibilitando comemorações dos casamentos, com milhares de prestadores de serviços. Na lista de ofertas gratuitas estão o tradicional vestido das noivas, terno dos noivos, penteados e maquiagem, espaço para a festa, doces e até treinamento para os cães dos donos levarem as alianças até o altar.

Um grupo no Facebook, intitulado “Casamentos LGBTI + 2018 - serviços grátis” foi criado logo após o resultado da eleição presidencial e reúne interessados em ajudar noivos e noivas. Foi lá que Réizel Baere da Silva Lima, de 37 anos, e Ana Claudia Pereira de Souza, de 38 anos, conseguiram doações de todos os itens da festa. O casal vive junto há 12 anos, mas sem união oficial. Agora não querem perder mais tempo. Com o incentivo, marcaram a cerimônia e a festa para o dia 22 de dezembro.

“Infelizmente, o nosso país vive um momento de retrocesso de direitos. Quando esse homem surgiu com as ideias dele, sabíamos que muita gente pensava como ele. Mas agora as pessoas estão escancarando seus preconceitos. Nós sempre lutamos muito para ficarmos juntas e isso não vai mudar”, contou a esteticista Réizel, enquanto experimentava o vestido doado pela estilista Gigi Figueira, que mantém um ateliê com seu nome, na Barra da Tijuca. Depois da cerimônia, a festa será na Casa do Porto, bar na Região Portuária que, no início do mês, disponibilizou espaço para as comemorações das uniões homoafetivas.

“Se você é gay e já veio na Casa Porto sabe que somos o lugar onde todos se sentem em casa. E se você é gay e vai casar antes de 2019, nós oferecemos a Casa Porto para sua festa sem custo de aluguel. Só mandar inbox pra acertar a agenda”, diz o texto do post responsável por lotar toda a agenda do espaço até o fim deste ano. O proprietário Raphael Vidal estendeu a promoção para janeiro. Os casais gays não pagam o aluguel do espaço, apenas as bebidas consumidas ali.

“As pessoas precisam ter o direito de realizar seus sonhos”, defende Vidal.

Assim como Réizel e Ana Claudia, o instrumentador cirúrgico Elias Praxedes e o consultor de viagens Celso Cardoso, de 31 anos, também decidiram antecipar a oficialização da união. O casal vive em Duque de Caxias e mantém um relacionamento há 5 anos. O casamento estava previsto para abril do próximo ano, mas os noivos tentam realizar o sonho antes que 2018 acabe.

“Todos que sonham casar também querem uma festa, ninguém quer só cartório. Só acho uma pena a gente ter que realizar o sonho às pressas pelo risco de perder um direito conquistado depois de tantos anos”, diz Celso, que ainda não definiu a data do casório, mas já garantiu um espaço na agenda da cabeleireira Thaila Fernandes.

A profissional foi uma das que disponilbilizou serviços como corte de cabelo e maquiagem gratuitos para noivos gays. Heterossexual, Thaíla se solidarizou com a causa por ter familiares homossexuais.

“Tenho parentes gays e sei que festa de casamento é uma coisa muito cara, principalmente se feita às pressas. Foi a forma que encontrei de colaborar”, contou.

Designer gráfica, Natália Guimarães, da Agência Ronron, contribuiu com os casamentos homoafetivos oferecendo dez pacotes gratuitos de identidade visual, com os noivinhos desenhados, convites da festa, e um quadro onde os convidados registram suas digitais, que fica de lembrança para os noivos. O pacote, que custa R$ 600, foi gratuito para dez casais. Entre eles, Letícia Leão e IsabelaFerrari, que vivem em Santo André (SP). “Apesar de estarmos planejando tudo às pressas, e não ter tido tempo para pensar sequer em referências, o trabalho da agência superou nossas expectativas. Só o fato de terem se colocado ao lado de casais como nós, já nos enche de alegria”, agradeceu Letícia.

Presidente da Comissão Especial da Diversidade Sexual e Gênero do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a desembargadora Maria Berenice Dias foi a responsável por aconselhar os casais gays a se casarem antes de Bolsonaro assumir a presidência. Segundo explica, há risco de o direito ser perdido porque a união homoafetiva não é uma lei. Foi instituída a partir de decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

“Sugeri que casem logo. Depois, só quem poderá pedir a anulação do casamento será um dos noivos. Com o apoio do Supremo, um presidente pode restringir o casamento a casais heterossexuais. Espero que não aconteça, mas tenho a responsabilidade de alertar esse segmento. Faço isso há 20 anos”, disse.