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Oito meses sem respostas consistentes

Anistia Internacional cobra instalação de comissão independente para apurar execução de Marielle Franco e Anderson

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No dia em que se completaram oito meses do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista, Anderson Gomes, a Anistia Internacional afirmou que as investigações da polícia estão num “labirinto”. A ONG defende que seja estabelecido um mecanismo externo e independente para acompanhar o trabalho policial, de modo a aferir se não está havendo interferência indevida.

A ONG divulgou, ontem, um levantamento das informações veiculadas publicamente sobre o caso, que corre em sigilo pela área da segurança do Estado do Rio, sob intervenção federal desde fevereiro. O objetivo foi o de apontar questões graves que ainda não foram respondidas, possíveis incoerências e contradições e questionar o posicionamento das autoridades.

A primeira questão gira em torno dos disparos e da munição utilizada no crime. Marielle teria sido atingida por quatro disparos na cabeça, de 13 tiros disparados e a munição calibre 9mm, de uso restrito no Brasil, de um lote da Polícia Federal, que teria sido desviado nos Correios na Paraíba. Há informações ainda que a munição do mesmo lote foi usada em uma chacina em São Paulo, em agosto de 2015, com 20 vítimas em Osasco e Barueri. A Anistia questiona se a munição pertence ao lote, como foi extraviado e por quem, como a munição chegou ao Rio e qual a relação com o grupo de extermínio de São Paulo.

Em relação à arma do crime, as informações iniciais eram que foi utilizada uma pistola 9mm adaptada para fazer disparos em sequência. Depois, foi citado o uso de uma submetralhadora HK-MP5 com poucas unidades no Brasil (usadas pela Polícia Civil e Polícia Militar do Rio). Foi denunciado o desaparecimento de cinco armas como esta. A Anistia questiona como as armas desapareceram, quem são os responsáveis e o que foi feito para aumentar o controle de armas nas instituições do estado.

A organização não governamental questiona também a forma como foram analisados os carros e aparelhos eletrônicos usados no crime e as câmeras de segurança da cidade, que teriam sido desligadas no local da emboscada no dia anterior. Nas imagens, um dos suspeitos aparece com um celular, antes de entrar em um carro e fugir. A Anistia quer saber se o aparelho foi rastreado e se as placas foram clonadas.

Dúvida sobre os procedimentos

A entidade também levanta dúvidas sobre os procedimentos investigativos, pois os corpos de Marielle e Anderson não teriam passado pelo raio X, conduta padrão em casos de homicídio, sob a justificativa de que não haveria equipamento disponível. Há, ainda, indicações, segundo a organização, de que o carro onde eles estavam não teria sido armazenado de forma adequada, e policiais militares teriam dispensado as testemunhas oculares que estavam presentes no local do crime, que também não teriam sido ouvidas posteriormente.

“Desde a noite do assassinato foram divulgadas informações muito graves. Não podemos olhar todas essas informações isoladamente. O quadro geral aponta que as autoridades do sistema de justiça criminal parecem estar se esquivando de sua responsabilidade. O estado não pode deixar sem explicação o sumiço de munição e submetralhadoras de sua propriedade. É chocante olhar para tudo o que já foi divulgado sobre as investigações do assassinato ao longo de oito meses e ver que o padrão foi de inconsistências, incoerências e contradições. As autoridades não respondem às denúncias graves que vieram à tona e, quando se pronunciam, parecem não se responsabilizar pelo que dizem”, afirmou Renata Neder, coordenadora de pesquisa da Anistia Internacional no Brasil.

Pais de Marielle

O documento foi divulgado com a presença dos pais de Marielle, Marinete e Antonio Silva. Marinete disse esperar que não haja prejuízo para as investigações com a troca de governo e mudanças na polícia a partir de janeiro de 2019. “Já deram várias versões, disseram que o caso estava caminhando. Tanto o [ministro da Segurança Pública] Raul Jungmann quanto [o secretário de Segurança, general] Richard Nunes disseram que estava praticamente resolvido, e não estamos vendo isso. Cada vez que sai uma notícia que tem um avanço e está chegando perto, a gente não tem nada de concreto. Temos que aguardar mesmo e ver o que acontece até o fim do ano”, afirmou Marinete. “A impressão que tenho é que estamos enxugando gelo. Todo mês são as mesmas perguntas sem respostas”, disse o pai da vereadora.

Em maio, o chefe da Polícia Civil do Rio, Rivaldo Barbosa, anunciou que a elucidação estaria próxima. Logo depois, o secretário da Segurança disse que o caso poderia não ser desvendado até o fim da intervenção, em 31 de dezembro. No dia 1º, Jungmann anunciou que a Polícia Federal está apurando se a condução da investigação pela Delegacia de Homicídios da Polícia Civil do Rio está sofrendo ingerência externa (os agentes federais não irão entrar na apuração do crime em si, ele ressalvou).

Isso porque há a suspeita de que agentes do estado, políticos ou policiais, podem estar atrapalhando o trabalho, para acobertar comparsas. Uma das hipóteses é a participação de integrantes de uma milícia, com ligação com a polícia.

Renata Neder alertou que há um “histórico brasileiro” de assassinatos de defensores de direitos humanos e de baixa resolução de homicídios. “A Anistia vem a público reiterar sua posição de que é urgente um mecanismo externo e independente para monitorar essas investigações, com peritos, juristas e especialistas em investigação criminal. Eles deveriam poder se debruçar sobre as investigações para verificar se o devido processo está sendo seguido, se todas as linhas estão sendo exploradas, se está havendo negligência, interferência externa indevida. A Anistia desde o início alertou para o risco desse caso ficar sem solução”. (Com Estadão Conteúdo e Agência Brasil)