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Nove famílias de crianças mortas por bala perdida este ano aguardam soluções dos casos

Valter Campanato/Agência Brasil -
Bruna da Silva com a camisa do filho baleado na Maré: ela diz que tem medo "todos os dias", mas acredita na elucidação do crime
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Nove famílias de crianças e pré-adolescentes vítimas de bala perdida no Rio de Janeiro este ano ainda aguardam a elucidação dos crimes e cobram justiça. Um dos casos que mais repercutiram, a morte do menino Marcus Vinícius da Silva, de 14 anos, em junho, durante uma operação da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) no Complexo da Maré, ainda está longe do fim. Para o advogado João Tancredo, que defende a família do menino, baleado pelas costas, enquanto caminhava para a escola, a condução do caso, é “deplorável”. Ele afirma que há uma “tendência de proteção” dos agentes envolvidos na ação que resultou na morte do garoto — todos policiais civis.

“No relatório elaborado pela Polícia Civil, questionam até o fato de eu, como advogado da família da vítima, ter acompanhado uma importante testemunha, um garoto menor de idade, que estava com o Marcus Vinícius na hora em que ele foi morto”, critica. “Só que a família do menino só permitiu que ele prestasse depoimento na delegacia por estar comigo. Eles tem confiança em mim, e a minha presença ali era legal”, justifica.

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Bruna da Silva com a camisa do filho baleado na Maré: ela diz que tem medo "todos os dias", mas acredita na elucidação do crime (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

O escritório de Tancredo acompanha também o caso da menina Maria Eduarda — alvejada em março do ano passado, dentro da Escola Municipal Jornalista Daniel Piza, em Acari, enquanto fazia aula de Educação Física — e o do bebê Benjamin, morto aos 2 anos, num carrinho de bebê, durante troca de tiros entre policiais e traficantes do Complexo do Alemão, em março deste ano. “Os moradores [das favelas] se queixam muito dessas operações de vingança. Nelas, é comum acontecerem essas mortes”, aponta o advogado.

A mãe de Marcos Vinícius, Bruna da Silva, diz que, apesar do medo, ainda crê que o crime do filho será esclarecido e seus responsáveis punidos: “Tenho medo todos os dias. Nessas operações, como essa última, a polícia entra uma da madrugada e mata todo mundo. Depois, às seis horas da manhã, começa a suposta operação”, denuncia. “Eu não vou parar de lutar. Vou mover céus e terra, mas o caso do meu filho não vai passar [sem solução]. Meu filho era minha vida, minha inspiração e, agora, é meu fôlego de justiça”.

A apuração do caso conta com distintas versões. O relatório elaborado pela Polícia Civil aponta que o disparo que atingiu o menino Marcus Vinícius foi feito por traficantes. Isso porque, segundo a polícia, a trajetória do disparo foi retilínea e não de cima para baixo, como deveria ter acontecido em caso de o disparo ter sido feito pelos policiais que estavam no blindado.

Testemunhas que vivem na favela, no entanto, contam que os agentes fizeram disparos também de fora do veículo blindado. O grupo será ouvido na semana que vem pelo Ministério Público. “É impressionante como o depoimento de mais de 15 policiais é igualzinho, mas testemunhas viram os agentes atirando de fora do blindado”, diz.

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A mãe de Thiago de Sousa, 14 anos, morto no sábado, após ser baleado na quinta, na Cidade de Deus (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Falta de informação

Este é apenas um dos casos que aguardam solução. Procurada, a Polícia Civil não informou como estão as investigações de outros oito casos. No dia 7 de fevereiro, a pequena Emily Sofia Neves Marriel foi morta aos 3 anos durante uma tentativa de assalto em Anchieta, na Zona Norte da cidade. No dia seguinte, foi a vez de Jeremias Moraes, de 13, ser alvejado na Favela Nova Holanda, no Complexo da Maré, durante uma operação policial enquanto jogava bola com amigos. Morador do Morro do Cantagalo, no Leme, Zona Sul da cidade, Marlon de Andrade, 10 anos, foi a terceira vítima deste ano, atingido enquanto brincava na laje de casa. Do Complexo do Alemão veio a quinta vítima: o pequeno Benjamin, de 2 anos, portador de Síndrome de Down, que estava no carrinho de bebê conduzido por sua mãe, quando foi iniciada uma operação policial. Na troca de tiros, o bebê foi alvejado e não resistiu aos ferimentos.

Também integram a lista Larissa Soeiro Maia, de 14 anos, morta em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; Brenda Valentina, de 2 anos, alvejada enquanto seus pais passavam de carro por Conceição do Jacareí, distrito de Mangaratiba; e Guilherme Henrique Pereira Natal, de 14 anos, quando um carro passou dando tiros a esmo, em Realengo, na Zona Oeste da cidade.

No fim de semana passado, outros três adolescentes foram mortos em quatro dias, aumentando as estatísticas do horror: Thiago Souza Mendonça, de 14 anos, morto no último sábado, três dias após ser atingido por uma bala perdida enquanto lia um livro numa pracinha no Outeiro, na Cidade de Deus, na Zona Oeste do Rio, onde a polícia realizava uma ação; Wanderson Salustiano de Souza, de 16, morreu durante tiroteio no Morro da Fé, na Vila da Penha, dentro da casa de uma tia, quando fechava a janela para se proteger, no sábado; e um adolescente de 17 anos, não identificado, morto no domingo, em Manguinhos.

Um dos fundadores da ONG Redes da Maré — região onde duas das nove crianças foram mortas —, Edson Diniz pede revisão urgente da política de segurança. “Essa entrada violenta da polícia precisa acabar. As prisões e apreensões precisam ser feitas no momento em que não se coloque a vida dos moradores em risco”, reclama. “Os governos insistem, há 50 anos, em ações que não deram certo. Inocentes vão continuar sendo assassinados enquanto a gente tiver ações baseadas na política do confronto. Não dá mais para insistir no erro”, critica.

Valter Campanato/Agência Brasil - A mãe de Thiago de Sousa, 14 anos, morto no sábado, após ser baleado na quinta, na Cidade de Deus