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TRE faz fiscalização polêmica em universidades

Fiscais eleitorais e PMs causam mal-estar em campus universitários do estado às vésperas do 2º turno

Reprodução -
Na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, uma faixa do centro acadêmico "pela democracia" é fotografada por fiscal do TRE
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Depois de fiscais do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ) realizarem fiscalização na Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), no Ingá, em Niterói, na quarta-feira, e exigirem a retirada de uma bandeira com os dizeres “Direito UFF Antifascista”, sob alegação de propaganda eleitoral irregular, novas fiscalizações foram feitas ontem em outras três universidades públicas da capital. As ações geraram apreensão e repúdio da comunidade acadêmica.

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Na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, uma faixa do centro acadêmico "pela democracia" é fotografada por fiscal do TRE (Foto: Reprodução)

Na Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o mal-estar ficou explícito. No Centro da Cidade, uma faixa foi exposta ontem por alunos integrantes do Centro Acadêmico Cândido de Oliveira (Caco). Nela estava escrito “Caco pela democracia, ditadura nunca mais”. A aluna Carolina Henning testemunhou quando fiscais do TRE chegaram com um tom intimidatório, segundo ela. “Os fiscais do TRE disseram que voltariam com um mandado para retirar a faixa; não voltaram, mas tiraram fotos”, disse Carolina, membro do Caco.

Fiscais do TRE também foram no campus da Praia Vermelha da UFRJ, em Botafogo. Em entrevista ao JORNAL DO BRASIL, o reitor Roberto Leher demonstrou incômodo com a situação, mas evitou polêmicas. “Ontem, na UFRJ, não teve a presença de policiais, pelo que fui informado, mas a de fiscais do TRE. Claro que isso causa apreensão. É importante diferenciar o que é infração eleitoral, já que os fiscais têm essa prerrogativa, da reflexão e do debate. A UFRJ está realizando reflexões sobre a conjuntura brasileira sem qualquer teor eleitoral”, disse o reitor, acrescentando que ainda está levantando informações sobre as ações dos fiscais na universidade.

Os agentes também estiveram na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio). Nas redes sociais, um professor do Centro de Ciências Jurídicas e Políticas, em Botafogo, denunciou a ação.

“Eles alegam que faixas e panfletos que não citam candidatos, mas falam contra o fascismo seriam propaganda para o Haddad. Alguém sabe explicar como fazem uma inferência dessas?”, questionou Felipe Borba.

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Faixas na Uerj (Foto: Reprodução)

Na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), os fiscais chegaram no início da tarde, acompanhados de policiais militares. Segundo alunos, pediram para retirar uma faixa pendurada no 10º andar, com a inscrição “Direito Uerj Antifascista”, mas não foram atendidos.

“Os alunos já tinham feito contato com a reitoria da Uerj, alertando sobre o que aconteceu na UFF. Então já estavam aguardando. Alegamos que, sem mandado escrito, a faixa não podia ser retirada. Eles não criaram caso e foram embora com a PM”, contou a estudante Natália Trindade, de 27 anos, do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais. “É um absurdo, porque não se trata de pedido de retirada de material de um candidato. Quando exigem a retirada de uma bandeira com inscrição contra o fascismo, sob alegação de que isso é contra um candidato, o TRE só confirma o entendimento de que um dos candidatos é fascista. Isso é revoltante”.

Em Niterói, a juíza Maria Aparecida da Costa Bastos, titular da 199ª Zona Eleitoral, responsável pela fiscalização eleitoral da cidade e também pela ação de quarta-feira, sem expedição de mandado formal, determinou, ontem, a retirada da bandeira da fachada da Faculdade de Direito da UFF.

Em documento, a magistrada justifica o pedido alegando que “noticia-se que encontra-se afixada na fachada do prédio da Faculdade de Direito da UFF uma faixa com os dizeres ‘Direito UFF Antifascista’, que possuiria conteúdo de propaganda eleitoral negativa contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro”. Ela diz ainda que “a realização de evento político-eleitoral, às vésperas do segundo turno das Eleições 2018, dentro das dependências de instituição pública de ensino (UFF), com a veiculação, por um lado, de material de campanha do presidenciável Fernando Haddad, e, por outro, de impressos difundindo mensagens desabonadoras do candidato Jair Bolsonaro, parece realmente destoar dos ditames legais, podendo mesmo desbordar para a prática de propaganda eleitoral irregular e de conduta vedada”.

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Policiais e fiscais no campus da universidade e da UFRJ, na Praia Vermelha (Foto: Reprodução)

Procurado pelo JB, o TRE-RJ não apresentou fotos do material pró-Haddad e contra Bolsonaro, que teria sido apreendido.

A apreensão foi questionada por alunos do Centro Acadêmico Evaristo da Veiga. “O que tínhamos no centro acadêmico eram adesivos com as inscrições ‘Marielle vive’, ‘Marielle presente’, ‘Nenhum direito a menos’ e ‘Honestino vive’”, contou ele, em referência a Honestino Guimarães, líder do movimento estudantil, morto, em 1973, durante a ditadura militar. “Não tínhamos nada defendendo nenhum presidenciável. E os fiscais fotografaram o que estava colado no centro acadêmico. Está provado. No banheiro do primeiro andar tem uma inscrição com o nome do Bolsonaro. Mas, por lá, os fiscais não passaram. Não tínhamos nada a favor do Haddad”.

A exigência judicial de retirada da faixa foi cumprida na noite de ontem pelo diretor da Faculdade de Direito, Wilson Madeira. Ele leu a decisão da juíza Maria Aparecida aos alunos e pediu que tudo fosse cumprido de forma ordeira. Em conversa com os estudantes, Madeira negou propaganda eleitoral a favor de Haddad e lembrou que já fez críticas públicas ao PT e que Bolsonaro já deu palestra na instituição, há alguns anos.

Defendeu ainda que o fascismo não é “só uma questão de presidência”, mas sim “uma luta em defesa de liberdade”. Os estudantes lembraram que a bandeira surgiu após episódios de racismo durante os jogos jurídicos e “jamais teve conotação político-partidária”.

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Policiais e fiscais no campus da universidade e da UFRJ, na Praia Vermelha (Foto: Reprodução)

Procurado, o TRE não se manifestou sobre a ausência de mandados por escrito durante as fiscalizações nas unidades de ensino.

Depois dos episódios, a Ordem dos Advogados (OAB/RJ), manifestou, em nota, repúdio às decisões recentes da Justiça Eleitoral. “Tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito, que, como todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente. A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”, diz o documento. A nota classificou também os “mandados verbais”, usados nas ações de quarta-feira e de ontem como “precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia”, além de “invasão na autonomia universitária”.

Reprodução - Faixas na Uerj
Reprodução - Policiais e fiscais no campus da universidade e da UFRJ, na Praia Vermelha
Reprodução - Policiais e fiscais no campus da universidade e da UFRJ, na Praia Vermelha
Reprodução - Policiais e fiscais no campus da universidade e da UFRJ, na Praia Vermelha