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Após dez anos, plano urbanístico da Rocinha será refeito por moradores do ensino médio

Bruno Kaiuca -
O arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo (com as mãos para o alto) dá a aula inaugural do curso "De volta para o futuro", na Rocinha
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A Casa de Estudos Urbanos lançou ontem na Rocinha o curso “De volta para o futuro”. As aulas serão no Ciep Ayrton Senna. A inaugural contou com os diretores da Casa, os arquitetos Luciana Corrêa do Lago e Luiz Carlos Toledo, que explicou as diretrizes do programa pedagógico. “Faz dez anos que eu e minha equipe fizemos o Plano Urbanístico e Socioespacial da Rocinha, após vencermos o Concurso Nacional de Ideias promovido pelo Governo do Estado e o Instituto dos Arquitetos do Brasil do Rio de Janeiro. Nesse primeiro encontro, explicamos o plano e mostramos que as principais ideias para o desenvolvimento da Rocinha não foram implementadas, como a de equacionar o saneamento básico local”.

A duração do curso na Rocinha será de um ano e, como ressalta o próprio Toledo, ao fim das aulas os alunos farão um projeto para a Rocinha. “Eles vão fazer um plano diretor para a comunidade. E, nós, arquitetos da Casa de Estudos Urbanos, vamos apenas auxiliá-los. Ou seja, estamos invertendo o que comumente é feito. Em vez de escutar os moradores da Rocinha e, a partir dessa escuta, fazer um plano, os alunos moradores é que farão o projeto, e nós somente vamos trazer algumas questões técnicas”, detalha o arquiteto, que, em 2020, vai apresentar o projeto dos alunos no Congresso Mundial de Arquitetura, a ser realizado no Rio de janeiro.

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O arquiteto e urbanista Luiz Carlos Toledo (com as mãos para o alto) dá a aula inaugural do curso "De volta para o futuro", na Rocinha (Foto: Bruno Kaiuca)

Toledo lamenta que o plano urbanístico foi pouquíssimo aproveitado pelo poder público. “Não só o saneamento deixou de ser resolvido. A questão das águas pluviais não foi solucionada, assim como a coleta de lixo, sua destinação final e reciclagem. Essas ideias não foram colocadas em prática. O poder público pecou por omissão”.

Toledo diz que, do plano urbanístico da Rocinha, foram feitos um centro esportivo, o arruamento e alargamento da Rua Quatro, cerca de cem apartamentos em prédios, projetados pelo arquiteto Mario Jauregui, e uma creche que até hoje absurdamente não funciona”, enumera o urbanista da Casa de Estudos Urbanos.

Diretor do Ciep, João Oliveira, o Timbó, disse que a escola tem de se abrir a esse tipo de curso. “É muito bom quebrar esses muros. Os alunos da Rocinha vão passar a conhecer melhor o lugar onde moram”. Geógrafo e morador, Antônio Carlos Firmino salientou o debate sobre o o desenvolvimento da Rocinha. “É fundamental ao aumento da consciência dos alunos em relação a direitos. Precisamos mostrar que a luta por direitos é muito mais do que um parlamentar vir aqui e fazer promessas. É sair da posição de espera e cobrar saneamento básico, arruamento, praças”.

Aluno do Ciep, Alexandre Souza de Menezes disse que o curso e a discussão sobre a Rocinha em si em sala de aula ajudam a quebrar certos estigmas. “Muitos jovens, ao procurarem emprego, omitem o endereço por ter alguma vergonha. Em um curso como esse, vemos a importância da Rocinha, suas histórias, suas conquistas. Passamos a ter orgulho”, disse o estudante.

Na aula inaugural, além dos alunos do Ciep, havia estudantes de arquitetura e moradores. No sétimo período de arquitetura da PUC, José Luiz Ferreira da Costa considera inédito o método a ser utilizado pela Casa de Estudos Urbanos no curso na Rocinha. “É incrível os alunos fazendo o plano diretor. É uma metodologia que vai além da participação popular. Faz a população ser protagonista na elaboração. Nenhum lugar do mundo está fazendo isso”.

Morador e guia turístico, Erik Martins também estava na aula inaugural. “A favela, para mim, não é problema, e deveria ser vista como solução. Precisamos ter a infraestrutura encontrada na parte regular da cidade”. O morador e designer Pedro Paiva, por sua vez, diz que o curso nasce com uma química na qual há dois elementos bem potentes: “o potencial criativo da Rocinha e o método acadêmico”.