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Recenseadores contestam números do censo de moradores de rua divulgado pela gestão Covas

Leon Rodrigues/SECOM -
Bruno Covas
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A entrevista coletiva do prefeito Bruno Covas (PSDB), na manhã desta sexta (31), para mostrar o resultado do censo da população em situação de rua em São Paulo foi interrompida por recenseadores que participaram da contagem, mas contestam os números finais divulgados.

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Bruno Covas (Foto: Leon Rodrigues/SECOM)

Segundo a gestão municipal, a população de rua na cidade chegou a 24.344 pessoas em 2019 —um salto de 53% em quatro anos. Em 2015, as pessoas nessa situação somavam 15,9 mil.

Para o Movimento Pop Rua, porém, o desafio é ainda maior. “Estão divulgando uma mentira. São mais de 32 mil pessoas em situação de rua em SP”, diz Anderson Miranda, que afirma ter acompanhado a elaboração do censo como recenseador. “Esvaziaram o Minhocão e a cracolândia três horas antes de contar. A metodologia de exclusão foi a mesma, a única novidade foi o uso do tablet.”

O grupo reclama que pessoas vivendo em barracos de madeira embaixo de pontes e viadutos não foram consideradas pela pesquisa como moradores de rua —o que explicaria, em parte, a diferença.

Pelo Cadastro Único, sistema do Ministério da Cidadania, em dezembro de 2019 havia 33.292 famílias em situação de rua no município.

Covas afirmou que antecipou a realização do censo, que seria feito ao longo de 2020. A contagem dos moradores em todas as regiões da cidade durou nove dias.

“A sensibilidade de todo mundo é de que há mais pessoas nas ruas, mas não se pode fazer política pública com base no sentimento das pessoas, a gente precisava de dados”, disse o prefeito.

A metodologia foi explicada pelo coordenador geral da pesquisa, Cristiano Luiz Rebello de Araújo, da Qualitest —empresa que realizou o censo pela primeira vez após vencer pregão de R$ 1,95 milhão.

"A gente estava contando as pessoas que estavam, por exemplo, em uma barraca, em situações mais improvisadas. Aquilo que estava construído, por exemplo, como um barraco, a pessoa não foi contada. Uma ocupação, uma pequena favela, não era considerada população de rua", disse Araújo.

A secretária municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, Berenice Giannella, afirma que o método usado é o mesmo dos censos anteriores. “Existe uma definição no decreto de 2009 dizendo o que é população em situação de rua. E é com base nessa definição que todas as pesquisas e censos são feitos. Não fomos nós que dissemos o que é. É uma definição prevista na lei.”

Segundo o decreto federal 7.053, de 2009, está em situação de rua aqueles que possuem "em comum a pobreza extrema, os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de moradia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento para pernoite temporário ou como moradia provisória".

A gestão municipal também vai mudar a forma de abordagem nas calçadas: os assistentes sociais passarão a receber de acordo com os resultados.

Atualmente, é pago um valor único de R$ 356 por cada abordagem. Agora, a abordagem simples valerá R$ 200, mas, caso haja sucesso —encaminhamento para vaga em abrigo— será pago mais R$ 500.

Hoje, a cidade não tem vaga suficiente para todos os moradores de rua da capital dormirem nos centros de acolhimento.

A prefeitura divulga 17.200 lugares disponibilizados nos albergues para os quase 25 mil moradores de rua, mas o déficit é ainda maior. Só cerca de 12 mil vagas são para pernoite, o restante é apenas para que a pessoa passe o dia no abrigo. São as chamadas "vagas dia".

Nas noites em que o censo foi realizado, 11.693 pessoas estavam nos albergues e 12.651 dormiam ao relento.

Para Giannella, parte das pessoas não quer ser acolhida. "A população não é homogênea. Tem gente na rua há pouco tempo, seis meses, um ano, que tende a ser mais fácil de acolher. E outras pessoas que estão aí há dez anos, que fazem uso de drogas, não querem ir [para os abrigos]”, afirmou.

Já Covas argumenta que "não adianta gastar com acolhimento se não tem resultado, que é a reinserção completa das pessoas com moradia, trabalho”.

“Não dá para gastar os milhões que gastamos hoje e ver aumentar o número de pessoas nas ruas”, afirma.

Os moradores de rua, por sua vez, costumam reclamar do tratamento nos albergues municipais.

"Os abrigos têm horários rígidos, se chegar atrasado perde a vaga, a qualidade da alimentação é péssima, a roupa não é trocada. As pessoas se negam a ir ao equipamento da prefeitura porque é pior do que dormir na calçada", afirma Robson Mendonça, presidente do Movimento Estadual de População de Rua de SP.

A nova regra de abordagem, com pagamento por sucesso, "vai botar morador de rua à força nos albergues, para enriquecer bolsos", diz Mendonça.

Para tentar driblar as falhas, a gestão Covas afirma que vai humanizar o processo e investir R$ 10,5 milhões de verba recebida do governo federal na contratação de mais funcionários.

A prefeitura também pretende investir R$ 60 milhões em locação social —programa que deve requalificar prédios da região central e entregar os apartamentos para as pessoas em situação de rua por um aluguel simbólico.

Promete ainda criar mil novas vagas de trabalho entre zeladoria de parques e praças, jardinagem e auxílio em obras, com bolsas entre R$ 698 a R$ 1.047. Não divulga, no entanto, quantas vagas existem no total.

Covas deve regulamentar um artigo da lei 17. 252, que estabelece a Política Municipal da População em Situação de Rua, para determinar um percentual mínimo de empregos para esse segmento por empresas contratadas pelo governo municipal.

O levantamento oficial mostra a relação entre o salto no número de moradores de rua e a alta na taxa de desemprego —que era de 12,8% na cidade em 2015 e, em junho de 2019, chegou a 16,6%.

Do total de moradores, 69,3% são pretos ou pardos e 28% são brancos. Há ainda indígenas (1,7%) e pessoas de cor amarela (0,9%).

A maior parte dos que estão nas ruas tem entre 31 e 49 anos (46,6%). E 3,9% são crianças.

Os entrevistados relatam os motivos que os levaram às calçadas: conflitos familiares, falecimento de parentes, perda de trabalho, drogas e problemas de saúde (como depressão). Parte é egressa do sistema prisional.

O centro da cidade é o mais afetado pela situação, já que 45% das pessoas estão nas ruas da região da Sé; 19% estão na Mooca. Os bairros periféricos, como Parelheiros, Sapopemba e Perus, registraram menor concentração (0,07%). Metade das pessoas entrevistadas diz que não costuma ir para outros bairros. (Thaiza Pauluze/FolhaPressSNG)