ARTIGOS
O mito e a realidade
Por ADHEMAR BAHADIAN, [email protected]
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Publicado em 12/09/2021 às 07:51
Alterado em 12/09/2021 às 07:52
A vantagem de escrever no domingo - na verdade, por razões editoriais, na sexta-feira - sobre assuntos que ocorreram na terça dá a mim um distanciamento deles quase secular. A velocidade das idas e vindas da jogatina politica brasileira oferece a nós na arquibancada do “calor do momento" emoções tão ornamentais quanto uma mesóclise e eloquentes como uma onomatopéia.
Triste país a ouvir oradores falar uma língua carregada de ódio e despida de argumentos. Houve tempo em que um Carlos Lacerda sabia o poder de uma aliteração, de um contraponto e até mesmo de uma virulência enfática em que a concordância verbal não agredia a nominal, da mesma forma que uma tonicidade oxítona não virava um paralelepípedo paroxítono. A extrema direita hoje fala por espasmos guturais e raciocina por solecismos soluçantes.
Pior não foi estropiar a língua, mas corromper a dignidade da representatividade política e vesti-la de roupagem hipócrita, cínica, onde compromissos políticos rodopiam mais tresloucados do que birutas de aeroporto. Na forma nossa política é rasteira; na substância cafajeste. Esta semana a findar mostrou-nos nosso atraso educacional e nossa delinquência cívica.
Por pouco não nos vimos envolvidos num movimento anárquico tangidos por um chefe de Poder a estimular a invasão de outro em nome da liberdade de expressão, deliberadamente confundida com palavras de ordem anticonstitucionais. Como se não bastasse, vários manifestantes desfilavam pelas avenidas de São Paulo e pela esplanada dos Ministérios em Brasilia com cartazes escritos em inglês favoráveis à ditadura militar com Bolsonaro. Há alguma coisa mais rebarbativa do que isto? E no dia sete de setembro, data da independência do Brasil!
Constrange hoje um cidadão brasileiro, que não reze pela cartilha bolsonarista, andar com a camisa da seleção brasileira ou até mesmo com as cores verde e amarela, símbolos da nação, transformadas em carteirinhas políticas. Desde quando? Quem autorizou este esbulho do orgulho nacional? Há muita insanidade no jogo político brasileiro.
Um contingente importante de brasileiros está sendo levado a aliar-se a uma forma de manifestação política muito calcada nas divisões sociais dos Estados Unidos da América, divisões completamente antagônicas aos sentimentos nacionais de igualdade racial. Estamos a nos transformar numa imitação risível de um país com manifestações de supremacia branca, de ódio religioso e até mesmo de repúdio ao imigrante estrangeiro. Nem na época do Anauê do integralismo de Plínio Salgado fomos tão longe.
A crítica destituída de qualquer evidência sobre a segurança de nossas urnas eletrônicas é compatível com a prescrição de medicina escatológica para o tratamento ou combate à Peste. Mais uma vez estamos imitando um gigante de miolo mole como Trump, homem que infelizmente encontrou ouvidos respeitosos na elite política brasileira. Somos hoje um país de opereta. O que aconteceu aqui no sete de setembro nos faz parecer um país de brincalhões apatetados. Trapalhões.
Conviria reconhecer que Trump hoje é um ativista político, cujos interesses são o de minar a credibilidade de Biden e suas políticas econômica e de meio ambiente. Quando um chefe de Estado ostensivamente se alia a comparsas de Trump, adota suas políticas de desagregação social, nada mais faz do que hostilizar a mais importante nação do planeta. A troco de quê? O que esperamos de Biden em nossos pleitos internacionais? Para usar o linguajar culto da época em que vivemos: esta política é Burra. Burra; intrinsecamente burra, geneticamente burra. Falta inteligência elementar a nossa política.
Nossa macroeconomia será estudada nos manuais universitários mundo afora sob o título: "Ypiranguismo ou como destruir um país em dois anos”. Uma honra nacional. Um neoliberalismo escravocrata. Uma regressão civilizacional. Taxar livros. Subsidiar o consumismo parasitário. Reduzir o número de universitários. Privatizar hospitais. Privatizar a seguridade social. Pinochetear o Brasil.
Tanta terra. Tanto mar. Tanta criança sem escola. Tantos pais sem empregos. Tanta mentira. Tanta conversa fiada. Tantos crimes. Onde andarão os trabalhadores do Brasil do Getulio? Onde se meteram os cinquenta anos em cinco do JK? Por que tanto descalabro social? E agora, esta ideia tresloucada de fuzis transformados em vassouras de bruxas, Valquírias alucinadas de uma nova ordem nazista. Em que hospício nos transformamos? Duzentos anos de uma Independência servil? Ou ficar a Pátria livre? Sadia. Solidária. Sustentável. Por que delirar sobre uma guerra civil sequer como hipótese? Fazer da destruição, programa de governo? Tanta terra. Tanto mar. Tanto leme sem rumo…
Hoje, escrever sobre o Brasil faz mal para a saúde física e mental. Seguramente vem muito mais dilapidação da Pátria até raiar o feliz dia em que vamos pressionar os botões da urna eleitoral com a raiva repulsiva de quem esmaga baratas gordas e predatórias no armário da cozinha. E dar-lhe o troco direitinho de como você votou nas pautas do Congresso. Prezado Senador. Caríssimo Deputado. A quem Vossa Excelência representa? Vossa Excelência votou para acabar com as pesquisas eleitorais nas vésperas das eleições? Estimulou, desta forma, a malandragem das falsas pesquisas robotizadas propostas por este Maquiavel da marginalidade política, Steve Bannon, cuja plataforma na internet já conta com 50 mil brasileiros inscritos? Parabéns, Excelência. E que Deus proteja a CPI do Senado. Nem tudo é caos.
Enquanto isso, vou passear com meu cachorro. Excelente companhia. Grande caráter.
*Embaixador aposentado