ARTIGOS

Para trás, à toda, sempre

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Por ADHEMAR BAHADIAN
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Publicado em 25/07/2021 às 08:27

Alterado em 25/07/2021 às 08:27

Assim como um carro, diante de barreira de milicianos, engrena, em pânico, uma marcha à ré desatinada, quase sempre precipitando a morte, assim também uma nação, cansada de tantas provocações e insanidades, pode equivocadamente dar-se ao desespero de a tudo renunciar diante de uma combinação maléfica de ideologia totalitária e fisiologismo político.

Foi assim na Alemanha nazista. Poderá ser assim no Brasil. Lá em consequência de uma humilhação e empobrecimento geral depois da primeira guerra mundial. Aqui por força de uma pilhagem histórica em grande parte estimulada pela injustiça social a marcar a ferro em brasa, como se gado fosse, gerações de compatriotas desvalidos pela submissão, pela pobreza endêmica, pela falta de instrução pública e solidária.

Os recentes acontecimentos políticos culminaram num retrocesso civilizacional de proporções impensáveis desde o pacto democrático consubstanciado em nossa Constituição de 1988. Voltamos a patinar no gelo frágil da democracia tutelada pelos sempre auto-proclamados senhores da razão e da previdência por cujas armas vivemos o pesadelo do final do século 20.

De forma melancolicamente repetitiva, o fisiologismo político se apropria da governança e faz dela um repasto entre patrícios a serviço da cobiça desenfreada até que no impulso aparentemente restaurador insurgem-se falsos profetas do apocalipse e nos mergulham nas noites trevosas do totalitarismo em cujas vielas e porões se encena o ritual farsante da depuração sórdida e covarde.

Aos que hoje nessas cidades brasileiras - em que continuam a morrer milhares levados pela Peste mal-controlada e usada como pretexto para o enriquecimento de pulhas e hienas humanas - acreditam que os últimos movimentos políticos nos levarão a uma solução de nossos graves problemas sociais e econômicos desejo-lhes o sono dos justos, mas temo que o descanso seja curto e aterrador.

Estão a plantar-se os mesmos germes do ódio, da insanidade política e junto com eles nutrem-se os mesmos espectros que nos enredaram no passado recente com cantilenas de invasões de bárbaros a nos incendiarem as casas, roubarem as propriedades e ceifarem as vidas de nossos amados.

A diferença reside apenas no fato de que o redentor já se encontra no pódio e orquestra com chibata o compasso do golpe fratricida a qualquer preço e a qualquer custo. Convencido de sua superioridade e da lucidez de seu narcisismo doentio nada poderá impedir-lhe de se tornar o Imperador das Amazônias fumegantes e de nos levar à destruição programada de um país abençoado por uma natureza sempre generosa apesar de nossa incúria e desapreço.

Para nós olham com palpável desprezo e crescente inquietação os povos que faz pouco nos saudavam como força generosa de nova nação em que se mesclam todas as raças do mundo em harmonia invejável. Hoje vemos as cenas de pesadelo em que índios se defendem com flechadas dos tiros e do gás lacrimogênio das polícias do Distrito Federal. As terras indígenas são ameaçadas por garimpeiros estimulados pelo comando do morubixaba vesgo de ideias a propugnar pela proliferação de milhares de serras-peladas.

O investimento público se atrofia malignamente em nome de uma economia da servidão ao mercado predador defendido fanaticamente por um senhor inseminado por larvas neoliberais a considerar a educação e a saúde públicas gratuitas como variáveis indesejáveis em equações econométricas intocáveis. E a pobreza como uma incômoda patologia social, talvez apenas debelável pela seleção natural.

A destruição de nossa política externa nos associando à ralé do extremismo internacional fez do Itamaraty uma casa mal-assombrada, hoje fechada para balanço enquanto neófitos do sistema internacional ofendem a política de nossos parceiros e vizinhos e ao mesmo tempo abrem as portas para acordos internacionais de livre comércio a aprofundarem nossa dependência de medidas castradoras de nossa politica econômica e monetária. Marcha à ré, sempre, em nome de uma globalização já morta de morte morrida pelas mãos de seus patrocinadores, os Estados Unidos da América.

Enfim, um país a andar para trás, inconsciente das lições aprendidas no passado recente e em direção suicida aos braços de mais um ditadorzinho chapliano na forma, tatibitate na fala e fétido no conteúdo.
Diante disso, o que dizer senão um NÃO sonoro pelo Brasil afora?

*Embaixador aposentado.

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