A Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado aprovou por unanimidade, nesta quarta-feira (12), o nome de Raquel Dodge para a Procuradoria-Geral da República (PGR). Dodge foi indicada pelo presidente Michel Temer, passou por sabatina dos senadores e vai substituir o atual procurador-geral, Rodrigo Janot, que deixa o cargo no dia 17 de setembro.
Durante a sabatina na CCJ, Raquel Dodge disse que pautará seu mandato por uma diretriz: “Ninguém acima da lei, ninguém abaixo da lei”. Em vários momentos, ela reiterou seu compromisso com a manutenção dos instrumentos que permitem ao Ministério Público combater a corrupção, como a colaboração premiada, mas ressalvou que eventuais abusos devem ser coibidos pelo próprio Judiciário, com os “freios e controles” do regime democrático.
Iniciada pontualmente às 10h, a sabatina durou mais de sete horas - dentro da previsão inicial do presidente da CCJ, Edison Lobão (PMDB-MA), de "sete a dez horas" de audiência.
Na primeira parte da sabatina, a futura procuradora-geral respondeu a uma série de perguntas formuladas pelo relator da indicação, o senador Roberto Rocha (PSB-MA). As perguntas, extraídas pelo relator de diversas fontes - entre elas o Portal e-Cidadania, por meio do qual o Senado propicia ao cidadão participar da atividade legislativa -, resumiam os principais questionamentos esperados. Muitos diziam respeito ao combate à corrupção, como a continuidade da Operação Lava Jato.
"É preciso manter esta atuação até que a corrupção ceda espaço à gestão honesta dos recursos públicos", respondeu a sabatinada. "Manteremos esse trabalho, aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo".
Raquel Dodge lembrou, porém, outros tipos de crime que o Ministério Público (MP) combate, além da corrupção, como tráfico de drogas, de animais e de pessoas; e abordou questões como os direitos dos povos indígenas, o assassinato de jovens, a melhoria do ensino público e a superpopulação carcerária.
"O país mudou muito. Para melhor. E o MP tem atuado com empenho para cumprir sua missão constitucional de servir o povo brasileiro, fazendo cumprir a Constituição e as leis", afirmou.
Em resposta ao senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que a questionou sobre o controle externo da atividade policial e o uso abusivo de prisões para incentivar delação, Raquel reconheceu que o controle externo é importante, e que o MP já prevê inspeções em delegacias para ver como a polícia exerce sua atuação.ela apontou a necessidade de profissionalização das instituições e o acompanhamento da jurisprudência, como forma de garantir que a prova do crime seja colhido de forma idônea autêntica e não clandestina, seguindo rigorosamente a lei que define o devido processo legal.
Quanto aos altos salários do MP, Raquel disse que é preciso considerar o percentual dos gastos da instituição, da polícia e do Judiciário, e verificar se o total equivale ao resultado do trabalho dessas instituições, que atuam em todo o território brasileiro. Quanto à regra que define o teto salarial, Raquel afirmou que o teto está sendo fielmente cumprido pelo MP.
Perguntas dos senadores
Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Lídice da Mata (PSB-BA) pediram a opinião de Raquel Dodge sobre a Medida Provisória 784/2017, que regulamenta os acordos de leniência em infrações contra a ordem econômica que envolvam o Banco Central, excluindo a participação do Ministério Público. A sabatinada concordou que não é possível prescindir do MP nesse tipo de acordo.
Os acordos de delação premiada também foram questionados. Lasier Martins (PSD-RS) quis saber da possibilidade de revisão do acordo firmado pelos controladores do grupo J&F com a PGR. Sem entrar no mérito do caso, Raquel Dodge lembrou que a lei permite a rescisão “quando o colaborador não cumpre a sua parte, não entrega o que prometeu”.
Renan Calheiros (PMDB-AL) afirmou que a Lava Jato é um avanço civilizatório, mas disse não concordar com excessos da operação. Renan e Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) manifestaram preocupação com o que qualificaram de "perdão judicial" aos controladores do grupo J&F, no acordo firmado com a PGR. Em resposta a ambos, Raquel Dodge afirmou que o MP não tem invadido a competência do Congresso.
"A imunidade e a anistia distinguem-se do perdão judicial, que a Lei 12.850 permitiu ao Ministério Público oferecer. Mas não é anistia", respondeu.
Simone Tebet (PMDB-MS), Eduardo Amorim (PSDB-SE), Hélio José (PMDB-DF) e Paulo Bauer (PSDB-SC) levantaram a questão dos vazamentos de informações sigilosas das investigações. Raquel Dodge reconheceu que os vazamentos “são incompatíveis com o devido processo legal e com o Estado Democrático de Direito” e defendeu medidas internas.
"Precisamos comunicar adequadamente o que fazermos, como fazemos. Isso não pode ser confundido com propaganda, mas deve se ater aos limites da integridade dos investigados, que gozam de presunção de inocência", disse.
Kátia Abreu (PMDB-TO) e Lindbergh Farias (PT-RJ) tocaram na questão dos supersalários no serviço público. Dodge afirmou que, com a aprovação da Emenda Constitucional 95, que instituiu o teto de gastos no setor público, o controle salarial será “um esforço comum a todas as instituições.” A Humberto Costa (PT-PE), que questionou excessos nas conduções coercitivas e nas prisões preventivas, a indicada reconheceu que são questões que devem ser examinadas.
"A duração das prisões preventivas deve ser examinada, inclusive sob o aspecto da superpopulação carcerária", afirmou.
Jorge Viana (PT-AC) e Magno Malta (PR-ES) elogiaram o papel da subprocuradora no combate ao crime organizado no Acre. Diversos senadores e senadoras, como Fátima Bezerra (PT-RN), Marta Suplicy (PMDB-SP) e Randolfe Rodrigues (Rede-AP), ressaltaram o histórico de Dodge na defesa dos direitos humanos e o fato de ser a primeira mulher a ocupar a procuradoria-geral.
"Vejo [a indicação] como um reconhecimento de nossas habilidades e agradeço em nome de todas mulheres do Ministério Público", afirmou Raquel Dodge.
Quanto à questão do acesso à Justiça, a indicada concordou com Eduardo Braga (PMDB-AM) sobre a necessidade de criar quatro novos tribunais federais, como estabelece a Emenda Constitucional 73. Dodge manifestou apoio a uma proposta de emenda à Constituição que oficialize a lista tríplice como método de indicação para a PGR, e concordou com o senador Armando Monteiro (PTB-PE) que a corrupção diminui a competitividade.
Antonio Anastasia (PSDB-MG), vice-presidente da CCJ, mencionou o grande número de prefeitos do interior que respondem a ações por improbidade sem que, segundo ele, haja dolo. A sabatinada reconheceu a existência de muitas ações, mas ressalvou que poucas levaram efetivamente à perda de mandatos. A Wilder Morais (PP-GO), que abordou o tema do desarmamento, a futura procuradora-geral afirmou que investiu "numa cultura de paz" ao longo de sua atuação. Ana Amélia (PP-RS) indagou sobre o limite, proposto pela sabatinada, nas cessões de procuradores para forças-tarefas. Raquel Dodge explicou que propôs um teto de 10% de procuradores cedidos, o que, segundo ela, não prejudica operações de combate à corrupção.
Perfil da indicada
Goiana de Morrinhos, filha do subprocurador-geral aposentado José Rodrigues Ferreira, Raquel Elias Ferreira Dodge formou-se pela Universidade de Brasília e fez mestrado em Harvard, nos Estados Unidos. Pertence aos quadros do Ministério Público Federal desde 1987.
Raquel Dodge foi o segundo nome mais votado na lista tríplice dos procuradores, submetida ao presidente Michel Temer. Os quatro antecessores da subprocuradora (Cláudio Fonteles, Antonio Fernando de Souza, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot) haviam sido os mais votados de suas respectivas listas. Ela minimizou a questão, ponderando que "qualquer um dos três [mais votados] está legitimado para a escolha". Seu mandato será de dois anos, com possibilidade de renovação.
Da Agência Senado