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Sindicatos e especialistas criticam mudanças trabalhistas anunciadas por Temer

Para professor da USP, reforma usa negociação como instrumento para reduzir direitos do trabalhador

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Apesar de o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, ter informado que apenas os pontos de consenso discutidos com sindicatos e confederações patronais foram incluídos no projeto de lei com mudanças na área trabalhista, centrais sindicais e especialistas criticaram a proposta. O projeto de lei foi anunciado na quinta-feira (22) pelo presidente Michel Temer. "O governo acaba de ganhar um presente de Natal, é um momento de solidariedade", afirmou na ocasião Temer, numa referência ao que ele classificou de um momento de "paz" entre empresários e trabalhadores.

Em nota, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), que não estava presente no evento, diz que as alterações podem resultar em "jornada de trabalho intermitente, com o trabalhador ficando inteiramente à disposição do patrão e recebendo pagamento apenas pelas horas trabalhadas, quando for recrutado, em contratos temporários com validade de 180 dias e em demissões mais baratas, com redução da multa do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), entre outras". A nota diz ainda que a maioria dos trabalhadores está desprotegida e que a maior parte dos sindicatos é de pequeno porte e sem muita força, o que pode prejudicar as negociações.

>> Governo anuncia mudanças na legislação trabalhista

A CUT destaca que uma das principais propostas é a que institui a soberania do negociado sobre o legislado, o que significa que patrões e empregados ficariam livres para promover negociações à revelia da legislação trabalhista: "Para os críticos da proposta, a medida é perigosa porque tende a esvaziar direitos históricos assegurados em lei".

Para o advogado trabalhista e professor da Universidade de São Paulo (USP), Jorge Luiz Souto Maior, a proposta é na verdade uma jogada política de autopreservação. 

“É uma tentativa desesperada, mas que tem esse efeito de gerar pânico entre os trabalhadores nesse final de ano. Uma tentativa de demonstrar para os setores aliados que o governo ainda tem alguma razão de existir, porque ele não desistiu de levar adiante o projeto para o qual ele de fato veio que é destruir a Constituição no que se refere aos direitos trabalhistas, para fortalecer o setor econômico que chegou ao poder. E como ele não conseguiu uma articulação mínima para fazer uma reforma nesse sentido, nesse momento que está completamente abalado politicamente, tenta se recuperar por meio dessa noticia”, disse.

Por outro lado, para Fabio Chong, sócio da área trabalhista do L.O. Baptista Advogados, a primeira impressão é que evoluiu-se pouquíssimo na modernização da legislação. 

“O próprio governo chamou de minirreforma. Me deu impressão de que ‘foi o que foi possível de ser feito’. Ela foi muito limitada. Avançou-se muito pouco perto do que é necessário”, disse. 

Por meio de medida provisória (MP), o projeto estabelece a prorrogação por mais um ano do prazo de adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), permite a redução da jornada de trabalho e a redução no salário em 30% sem que haja demissão. Outra medida anunciada, por meio de projeto de lei (PL), é a prevalência do acordo entre empresas e sindicatos dos trabalhadores sobre a legislação. O PL será enviado ao Congresso Nacional em regime de urgência. Michel Temer assinou a medida provisória que prorroga o programa, a medida provisória que permite o saque integral do FGTS e o projeto de lei que modifica regras trabalhistas.

Para Welton Guerra, advogado especialista em direito do trabalho do Miguel Neto Advogados, a divergência acontece quando esses acordos suprimem algum direito do trabalhador. 

“Na verdade, com essa reforma, o sindicato passa a ter mais valor, porque é ele que vai ter o poder de negociação. E presume-se que o sindicato busca melhorar a condição do trabalhador. Entretanto, essa medida tem que deixar claro o que pode ser negociado e o que não pode”, disse.

O PSE é uma continuidade do Programa de Proteção ao Emprego (PPE), lançado pela ex-presidente Dilma Rousseff, que teria vigência até o fim deste ano. Ele permite a redução de jornada e de salário, com contrapartida da União. Já os acordos defendidos pelo PL poderão tratar de parcelamento das férias em até três vezes, compensação da jornada de trabalho, intervalos de intrajornada, plano de cargos e salários, banco de horas e trabalho remoto, entre outros.

Fábio Chong considera as propostas tímidas e sem impacto na vida do trabalhador. 

“Não é isso que vai mudar a vida do trabalhador. A extensão do programa de proteção ao emprego foi criado pelo governo Dilma, e o atual governo está propondo a extensão por mais dois anos. Este seja talvez um dos pontos principais. Mas isso tudo não vai gerar mais empregos. Essa proteção evita mais desemprego. No mais, não me pareceu que evoluímos muito”, disse.

Já o professor da USP Jorge Luiz destacou: “Para que haja efetiva ampliação das possibilidades de negociação há dois fatores essenciais: que não estejamos dentro de um contexto de desemprego estrutural, e que os trabalhadores não possam ser dispensados sem justo motivo. Sem essa dupla situação, a negociação vai favorecer o lado mais forte, que é o capital. Consequentemente, só vai servir pra redução de direitos. Embora não se revele, essa reforma usa a negociação como instrumento para reduzir direitos da classe trabalhadora. Não há proteção jurídica para o trabalhador. Se sabe há muito tempo que qualquer tipo de reforma trabalhista no sentido de flexibilização representa a retirada de direitos, só prejudicou a economia. É um grande 'nada' jurídico, mas que no fundo é uma facada nos avanços trabalhistas”, completou. 

* do projeto de estágio do JB