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MP entrará com recursos contra liberdade de réus da tragédia na boate Kiss

Associação deve subir o tom dos protestos. Na quarta-feira, haverá bloqueio na rodovia

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Em uma reunião entre os promotores e os familiares das vítimas, que durou cerca de duas horas, os parentes foram informados a respeito de dois recursos que o Ministério Público de Porto Alegre tentará. Um, chamado de “recurso especial”, será enviado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) e argumentará que houve contrariedade ou negativa de uma lei federal. No caso, a norma que não foi seguida, na visão do MP, foi o Código de Processo Penal, pois, na visão dos promotores, foram cumpridos todos os requisitos para a manutenção das prisões dos quatro réus. 

O outro recurso, chamado de “extraordinário”, será remetido para o Supremo Tribunal Federal (STF) e pretende discutir a constitucionalidade da decisão de soltar os réus. Os promotores acreditam que a possibilidade de sucesso dessa medida é pequena, mas, mesmo assim, eles vão utilizá-la. 

Para entrar com os recursos, ainda é preciso que a decisão da 1ª Câmara Criminal do TJ-RS da última quarta-feira seja publicada no Diário da Justiça. Depois disso há um prazo de cinco dias para recorrer. Antes de serem enviados para Brasília, os recursos passam por uma análise prévia do TJ-RS, que decide se eles vão adiante ou não.

Seis familiares de vítimas foram recebidos na tarde desta segunda-feira pelos promotores Joel Oliveira Dutra e Maurício Trevisan, que foram os responsáveis pela denúncia criminal do caso. Também participou da reunião o coordenador da Associação de Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria (AVTSM), professor Sergio Madruga.

"Os familiares queriam informações sobre como devem proceder daqui para a frente. Dissemos para eles que as manifestações tem que seguir sendo ordeiras, sempre dentro da lei, mas daqui a pouco podem subir um pouco o tom e, de repente, até ir a Brasília”, disse o promotor Joel Oliveira Dutra. 

O presidente da AVTSM, Adherbal Ferreira, entendeu o recado. “Antes, os promotores disseram para a associação se manter em silêncio, para não causar o desaforamento do processo (que ele saísse de Santa Maria). Mas os desembargadores nos puxaram o tapete. Para provar que existe comoção em Santa Maria, a associação vai subir o tom, mas dentro da lei e sem ferir direitos, porque queremos o apoio da população”, diz Ferreira. Nesta quarta-feira à tarde, para protestar, familiares de vítimas vão bloquear a BR-287, uma das rodovias que corta Santa Maria. 

Os quatro réus do processo criminal que estavam presos - os sócios da Boate Kiss, Elissandro Spohr, o Kiko, e Mauro Hoffmann, o Maurinho, e os dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, o vocalista Marcelo de Jesus dos Santos, e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão - foram soltos na última quarta-feira à noite, depois que a 1ª Câmara Criminal do TJ-RS concedeu a liberdade a eles no mesmo dia.  Na opinião dos desembargadores, os acusados não representam riscos para o processo e para as vítimas e não há mais o clamor social que justifique a prisão preventiva.

Incêndio na Boate Kiss

Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate 

Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados. A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo cianeto, liberada pela queima da espuma.

Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.

Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma grande operação de atendimento às vítimas.

Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa noturna.

A tragédia fez com que várias cidades do País realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.

No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia cair no esquecimento.

Indiciamentos

Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.

O inquérito também constatou que o extintor de incêndio não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as janelas estavam obstruídas.

Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.

Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela Polícia Civil.

Os promotores também pediram que novas diligências fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana; Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro, mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.