O advogado do governo italiano, o criminalista Antonio Nabor Bulhões, provocou mais uma vez o Supremo Tribunal Federal, com uma “reclamação constitucional”, a fim de tentar a cassação do ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de não extraditar o ex-ativista comunista Cesare Battisti. Na petição protocolada nesta quinta-feira e dirigida ao novo relator do processo de extradição, ministro Gilmar Mendes, Bulhões sustenta que a deliberação de Lula em não entregar aquele que foi extraditado pela maioria do STF, por 5 votos a 4, “revela-se absolutamente insubsistente, por usurpar a competência dessa Suprema Corte”, e ainda por “consubstanciar grave ilícito interno e grave ilícito internacional, que ofende a soberania italiana e suas instituições”. O pedido tem como base o artigo 102 da Constituição (inciso 1, letra “l”), segundo o qual compete ao STF “julgar a reclamação para preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões”.
Para Nabor Bulhões, “a manifesta ilegalidade do ato ora atacado, veiculada em forma de desvio de poder, projeta a convicção de que, na realidade, Cesare Battisti teria sido beneficiado por uma espécie de ‘refúgio disfarçado’, vale dizer, de um refúgio concedido com inconcebível fraude à lei, à Constituição, ao tratado de extradição vigente entre Brasil e Itália”. Ele acrescenta que o ex-presidente não poderia se basear – para não formalizar a extradição - na "incrível e inconsistente alegação de que a situação de Battisti poderia se agravar na Itália”, como se o governo daquele país estivesse a persegui-lo, e não buscando o cumprimento de uma decisão judicial. E lembra que o STF, por 5 votos a 4, invalidou a concessão do status de refugiado político que lhe fora dada pelo ministro da Justiça, e aprovou a extradição do italiano como criminoso comum, condenado no seu país por quatro assassinatos.
O advogado do governo italiano admitiu que está reabrindo a questão tendo em vista a “leitura errônea” que o ex-presidente Lula – com base em parecer da Advocacia-Geral da Uniãob – fez da ementa do julgamento da extradição de Battisti.
Em dezembro de 2009, na apreciação de questão de ordem sobre a faculdade de o presidente da República “executar” ou não a extradição, seis dos oito ministros presentes à sessão do STF aprovaram uma nova “proclamação” do julgamento nos seguintes termos sobre o “caráter discricionário” da “palavra final” do chefe de Estado:: “Por maioria, o tribunal reconheceu que a decisão não vincula o presidente da República, nos termos dos votos dos ministros Cármen Lúcia, Eros Grau, Joaquim Barbosa, Marco Aurélio e Ayres Britto”.
O advogado Nabor Bulhões tinha suscitado a questão de ordem por que o voto de Eros Grau – computado entre os que reconheciam ter o presidente da República a última palavra na efetivação da extradição, ainda que concedida pelo STF – limitava o “caráter discricionário” do ato presidencial aos termos do tratado bilateral em vigor.
Ou seja, Eros Grau entendia – como ele próprio confirmou no debate da questão de ordem – que a “discricionariedade” do presidente da República não era ilimitada. Isto é, a possibilidade de ele deixar de executar a extradição deferida pelo STF seria restrita aos casos previstos no tratado assinado pelos dois governos em 1989, principalmente àquele em que se baseou o presidente Lula, constante do artigo 3, item 1, letra “f”: “Se a parte requerida tiver razões ponderáveis para supor que a pessoa reclamada será submetida a atos de perseguição e discriminação por motivo de raça, religião, sexo, nacionalidade,língua, opinião política; ou que sua situação possa ser agravada por um dos elementos mencionados”.
Nabor Bulhões ajuizou também uma "impugnação incidental" destinada a obter, do plenário do STF, o referendo da decisão do ministro Cezar Peeluso que - como presidente do tribunal - impediu a soltura do extraditando, que havia sid requerida pela sua defesa, em função do ato do ex-presidente Lula, que manteve Battisti no Brasil.
São todos esses aspectos que serão rediscutidos a partir da nova provocação do plenário do STF feita pelo governo italiano.