CURITIBA - Enquanto o Brasil soluciona pouco mais da metade dos casos de crianças desaparecidas, no Paraná, 99% dos casos são solucionados. De um total de 1,5 mil desaparecimentos registrados pela Polícia nos últimos 15 anos no estado, somente 11 não foram solucionados. Esse resultado se deve ao Serviço de Investigações de Crianças Desaparecidas (Sicride), única delegacia de Polícia Civil do País dedicada, exclusivamente, a investigar o desaparecimento de menores de 12 anos.
"O principal diferencial é a especificidade. Somos 12 policiais especializados no desaparecimento de crianças, trabalhando só com isso", explica a delegada titular do Sicride, Ana Cláudia Machado. "Então, desde a montagem do boletim de ocorrência, já sabemos como começar a procurar, tanto que a maioria dos casos é resolvida em até 48 horas."
A delegada reforça que não existe um prazo para que a criança seja considerada desaparecida. "Mesmo que em alguma unidade policial a pessoa seja, equivocadamente, informada disso, não existe esse prazo. Basta nos procurar que iniciamos imediatamente a investigação. A criança deveria ter chegado a algum local e não chegou, já deve ser comunicado o desaparecimento", afirma.
No Brasil não existem dados oficiais que determinem a quantidade de crianças e adolescentes desaparecidos. Na rede de identificação de crianças desaparecidas da Secretaria Especial de Direitos Humanos estão registrados, desde 2002, 1247 casos. Destas, 725 foram encontradas, tendo ainda 522 sem solução, ou 41%. Criado em 1996, o Sicride ainda investiga outros 12 casos sem solução, registrados antes da criação da delegacia especializada.
O desempenho do Paraná na resolução de casos de desaparecimento de crianças foi citado como modelo durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes, já que, nos demais Estados, o que existe de mais parecido a um serviço desses é uma divisão de crianças desaparecidas dentro de uma delegacia comum ou uma delegacia especial para pessoas desaparecidas. Envelhecimento digital Uma nova forma de identificação de crianças desaparecidas que a delegacia especializada implantou é o envelhecimento digital, por meio do qual se usa uma fotografia de uma criança desaparecida há anos para simular como seria sua aparência nos dias de hoje. O trabalho fica por conta do artista forense Diego Pereira Pires, um dos únicos três designers especializados em envelhecimento digital no país.
"É arte misturada com medicina legal, sabemos que partes do crânio a criança desenvolve e de que forma se dá esse desenvolvimento. Não existe um software que faça automaticamente esse desenvolvimento, é desenho, mas é científico", contou. Com o envelhecimento digital, muitas pessoas que têm dúvidas sobre sua origem e se acham semelhantes aos retratos produzidos por Pires já se apresentaram à delegacia desconfiadas de que eram uma das crianças desaparecidas. "É um trabalho recente, estou aqui há um ano, ainda não encontramos ninguém dessa forma, mas isso vai ocorrer em breve. Aumentam nossas pistas, é uma nova possibilidade de encontrar esses desaparecidos", disse.
Outra medida eficaz apontada pela delegada é um convênio firmado entre o Sicride e a Polícia Rodoviária Federal (PRF). "Assim que temos notícia de uma criança desaparecida, todos os postos da polícia rodoviária recebem uma foto desta criança para não permitir que ela seja tirada do Estado pelas nossas estradas", diz Ana Cláudia.
A criação do Sicride foi decidida na década de 1990, cuja necessidade surgiu com a aparição de casos de quadrilhas especializadas em adoção internacional. Hoje, cerca de 5% das crianças são encontradas sem vida, como a menina Rachel Genofre, cujo corpo foi encontrado dentro de uma mala na rodoferroviária de Curitiba, em 2008.
Segundo as estatísticas da delegacia, cerca de 80% dos casos de desaparecimento de crianças são por fuga espontânea do lar. Nos 20% restantes, poucos são por criminosos seriais. A maior parte do roubo de crianças é feita por pessoas próximas à família, ou, então, por uma pessoa mais rica, que não pode ter filhos e tenta conseguir o bebê de uma família mais humilde. "Agimos tanto nos casos em que a criança é tirada da família, como quando é 'dada' sem a devida garantia legal, desde que alguém preste queixa", explica a delegada. "São comuns os casos de arrependimento", diz Ana Cláudia. Ela acrescenta que, algumas vezes, até casais que estão na fila de adoção aceitam uma criança 'dada' pelos pais para apressar o processo. "Se a família se arrepender, pode denunciar, e o casal que adotou pode ter problemas judiciais", advertiu.
De acordo com a titular do Sicride, os casos só são encerrados quando a criança desaparecida é encontrada, com vida ou não. "Todos os casos continuam em investigação. Por mais que a gente receba, quase que diariamente, notícias sobre crianças desaparecidas, a gente não descuida dos casos antigos", afirma. "Enquanto a criança não for localizada, com ou sem vida, mesmo já sendo adulta, nós seguiremos investigando. Ano passado solucionamos o caso de uma criança desaparecida em 1991, que, infelizmente, encontramos a ossada", relata a delegada.
Luíza Pereira de Oliveira teve o filho Gabriel Oliveira dos Santos, de dez dias de vida, roubado de sua residência no último dia 9. "Uma mulher que nunca tinha visto na vida me procurou no hospital. Primeiro se propôs a me ajudar com roupas e alimentos. Depois, começou a me importunar, pedindo para eu dar meu filho para ela. Ela era conhecida da dona da casa onde eu moro de aluguel. Foi lá em casa me visitar e levou meu filho. No dia seguinte, o Sicride já tinha localizado ela", conta a mãe, que ainda aguarda para voltar a ter a guarda de seu bebê porque a mulher que tirou a criança de Luíza apresentou o bebê na Vara de Infância, sob denúncia de maus tratos.
Hoje, Gabriel está em um abrigo de Curitiba, aguardando pela decisão da Justiça para poder voltar para casa. Outro caso recente, lembrado pela delegada, ocorreu em Apucarana, no norte do Paraná. "O bebê foi roubado no hospital por uma falsa enfermeira 10 horas depois de nascer". O Sicride deslocou uma equipe para a cidade, que resolveu o caso em menos de dois dias. "A falsa enfermeira era mãe de uma garota que perdeu o namorado e, para tentar recuperá-lo, inventou uma gravidez. No final dos nove meses, roubou uma criança para confirmar a farsa", contou.