Luciana Abade , Jornal do Brasil
BRASÍLIA - Na última sexta-feira a Universidade Federal do Pará (UFPA) encerrou as inscrições para os candidatos indígenas que desejam ingressar na instituição em 2010. Esse é o primeiro processo seletivo da UFPA com reserva de vagas para índios. Foram oferecidas até duas vagas em cada um 144 cursos de graduação disponíveis na universidade. Na quinta-feira, 346 pessoas já estavam inscritas. A UFPA é a oitava universidade federal a criar cotas para índios. As outras sete são: UnB, UFMT, UFSCar, UFMG, UFT, UFPR e UFBA. Nove universidades estaduais uma em Goiás, outra na Bahia e sete no Paraná também aderiram ao modelo. Das 39 instituições públicas brasileiras, pelo menos 20 trabalham com políticas afirmativas, sejam elas sociais, raciais, por meio de reserva direta de vagas ou de bonificação na pontuação de exames vestibulares.
De maneira geral, as cotas indígenas se diferem das de afrodescendentes porque os vestibulares são especiais. Na UFPA, por exemplo, o processo seletivo será constituído de avaliação do histórico escolar, uma entrevista e uma redação. A Universidade Federal do Tocantins (UFT) aplica a mesma prova para alunos cotistas e não-cotistas, mas os índios, no entanto, competem entre si. Apesar de não ser destacada na polêmica sobre cotas, a reserva de vagas para os índios está ameaçada por todas as ações judiciais contra cotas que tramitam na Justiça. E eles também são vítimas de preconceito dos colegas por ingressar nos cursos por um sistema diferenciado. Os cursos de Ciências da Terra e Ciências da Saúde são os mais procurados pelos índios.
A experiência na área tem mostrado que há muita discriminação afirma o coordenador pedagógico da Fundação Nacional do Índio (Funai), Gustavo Menezes. Muitos professores são contra e os alunos esperam encontrar um índio caracterizado. É uma expectativa equivocada. O Brasil é multicultural, mas não está bem resolvido quanto a isso. A universidade é o local ideal para se debater essa questão.
Desempenho satisfatório
Segundo Menezes, a adesão das instituições tem crescido a cada dia e a evasão é mínima, mas ainda não foi possível realizar um levantamento oficial sobre o desempenho acadêmico dos índios. Uma sondagem extra-oficial, no entanto, mostra que, assim como cotistas afrodecendentes, os índios têm tido desempenho igual ou superior aos não-cotistas.
A ideia de que as cotas diminuem a qualidade do ensino é um mito garante o coordenador. Existe sim o processo de adaptação que é muito difícil. O preconceito afeta um pouco o rendimento. Mas é preciso que eles tenham a casca grossa porque precisam sair dali vitoriosos.
Pró Reitora de Extensão, Cultura e Ações Comunitárias da UFT, Marluce Zacariotti conta que a instituição decidiu reservar cotas para índios depois que realizou, em 2005, um levantamento na instituição e constatou que, mesmo sem cotas, 64% dos seus alunos eram afro-descendentes. Faltava contemplar os índios, que passaram a dispor de 5% das vagas de todos os cursos da instituição.
Marluce ressalta que os índios aprendem bem as matérias, mas enfrentam uma grande dificuldade com a língua portuguesa. Para evitar a evasão, a instituição criou o Grupo de Trabalho Índígena (GTI), que desenvolve ações de apoio aos estudantes cotistas. Entre elas, o programa de monitoramento, onde o aluno indígena com melhor desempenho vai orientar seus colegas naquela matéria. Os mais de cem índios que estudam na instituição ganham bolsa de R$ 300, mas devem estar inscritos em um algum projeto de pesquisa.
É preciso mostrar que eles são diferentes, não desiguais defende Marluce.
Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCaR), os estudantes indígenas que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas podem concorrer a uma vaga adicional em cada um dos cursos presenciais da graduação. Em 2008 foram oferecidas 37 vagas e, em 2009, com a criação de novos cursos, foram oferecidas 57 vagas. O vestibular é constituído de provas oral e escrita, em que se verifica o domínio de conteúdos estudados no ensino médio, nos mesmos termos em que os candidatos do vestibular tradicional se submetem. Em 2009, dos 64 que se candidataram para a vaga, 21 foram aprovados e 19 se matricularam.
Para evitar que a auto-denominação seja um problema nos processos seletivos, todas as instituições exigem que os índios sejam reconhecidos como tais pelas suas lideranças, responsáveis por enviar um documento que prove a relação do vestibulando com a comunidade. O apoio da Funai é pontual porque as universidades são autônomas para desenvolver seus programas de reservas de vagas.