Raphael Bruno, Jornal do Brasil
BRASÍLIA - O governo envia, esta semana, ao Congresso Nacional, documento abrindo as discussões sobre a reforma política. O Palácio do Planalto evitou utilizar medida provisória ou projeto de lei, porque expressivo número de deputados e senadores consideram que o tema deve ficar restrito ao Poder Legislativo. Na proposta, elaborada pelos ministérios da Justiça e das Relações Institucionais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recoloca na ordem do dia o estabelecimento da cláusula de barreira, julgada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2007. Para poder funcionar normalmente, os partidos políticos teriam que eleger pelo menos dez deputados federais.
Mesmo sendo menos rigorosa do que a derrubada pela corte suprema ano passado, a iniciativa do governo atingiria, hoje, sete partidos com representação na Câmara, incluindo o PRB, do vice-presidente José Alencar, e o PSOL, da ex-senadora Heloísa Helena, terceira colocada nas últimas eleições presidenciais.
A cláusula de barreira é uma tentativa de restringir o número de partidos com representação no Congresso e naufragou por decisão do STF. A cláusula estava prevista em lei de 1995 para entrar em vigor a partir das eleições de 2006.
A norma previa que somente os partidos que atingissem 5% do total de votos nacionais para deputado federal, além de 2% dos votos em ao menos nove Estados, teriam direito à representação plena na Câmara. Após o pleito de outubro daquele ano, apenas sete partidos ultrapassaram a cláusula (PT, PMDB, PSDB, DEM, PP, PSB e PDT).
De acordo com o entendimento que o Tribunal Superior Eleitoral deu à questão na época, os parlamentares eleitos por partidos que não ultrapassaram a cláusula não seriam impedidos de assumir o mandato, mas não teriam direito a formar bancada, liderança e a disputar cargos em comissões e na mesa diretora. Além disso, ficariam de fora do rateio principal do Fundo Partidário e teriam que partilhar, assim como as legendas que não conseguem eleger nenhum deputado, apenas 1% dos recursos.
Após as eleições, PV, PCdoB e PSOL entraram com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) no STF alegando que a cláusula afrontava a Constituição, ferindo a representatividade democrática e criando parlamentares de segunda categoria. Os ministros do tribunal acolheram a ação por unanimidade. A decisão significou que seria necessário mais do que lei ordinária para implantação da cláusula. Uma emenda constitucional teria que fazer o trabalho.
Alternativa
Com a decisão do Supremo, PECs surgiram, tanto na Câmara quanto no Senado, projetos recriando a cláusula, que nunca foram levados adiante. O mecanismo agora ganha nova chance com a reforma. De acordo com a sugestão do governo, a cláusula funcionaria nos mesmos moldes da anterior, mas atingiria apenas os partidos que não alcançassem no mínimo dez deputados federais eleitos.
Na prática, a nova barreira é muito mais flexível do que a anterior. Partidos que não a ultrapassavam, como os próprios PV e PCdoB, escapariam dela hoje por pouco. Em tese, o número menor de partidos afetados aumenta as chances da idéia prosperar, apesar da exigência de, por ser emenda constitucional, quorum qualificado, ou seja, de votos favoráveis de no mínimo três quintos da casa. A perspectiva já assusta alguns dos deputados membros de partidos que não ultrapassariam a barreira.
Não deve existir a cláusula reclama Juvenil Alves (PRTB-MG), único deputado de seu partido na Câmara. É um instrumento de diminuição da representação democrática. Esta proposta não deveria ter sido retomada.
O país já fez sua escolha pela manutenção da democracia e da liberdade partidária, conferindo a todos o direito de participar do processo decisório e impedindo a oligarquização lembra Vitor Paulo, presidente nacional do PRB. Como garantir a pluralidade política, sem permitir aos partidos menores a oportunidade de crescimento?
Migração já começa a ser discutida no parlamento
Uma das idéias do governo para amenizar o impacto da cláusula é a criação de uma janela temporal para permitir que deputados eleitos por legendas que não a ultrapassaram migrem para maiores sem sofrer sanções de fidelidade partidária. Juvenil Alves (PRTB-MG) admite que o mecanismo tende a diminuir as resistências à barreira.
Se for aprovada, é lógico que partidos menores terão que aceitar. E os deputados que tiverem condições de migrar para outros partidos vão migrar, aposta.
Não me preocupa essa discussão da cláusula. Não sou contra diz Miguel Martin (PHS-MG). Tem como se juntar com outros partidos que têm coisas em comum, que se afinem ideologicamente.
Tendência
A fusão e incorporação de legendas para escapar da cláusula de barreira já foi uma tendência do curto período em que a lei anterior esteve em vigor. Algumas vingaram mesmo com o fim da cláusula. O PL, por exemplo, se juntou com o Prona para formar o atual PR. O Pan foi incorporado pelo PTB. Outros processos de fusões acabaram se desfazendo com a queda da barreira, como a união entre PPS, PHS e PMN, que por breves dias formaram o MD (Mobilização Democrática). Ao todo, hoje, 18 deputados, 3,5% do total, estão em partidos com menos de uma dezena de parlamentares eleitos.
O centro da minha preocupação, agora, é criar ambiente para votar a reforma contemporiza o líder do governo na Câmara, Henrique Fontana (PT-RS). Não quero começar a discussão assumindo posição em alguma questão específica. Defendo uma longa negociação com todos os partidos. É evidente que algum tipo de barreira temos que ter, porque não me parece razoável um sistema político com 30 partidos.