O ministro da Justiça, Sergio Moro, defendeu que juízes brasileiros possam solicitar diretamente a empresas estrangeiras que operam no Brasil, como o Facebook, dados e conteúdos produzidos por usuários suspeitos de terem cometido crimes, sem passar por acordo de cooperação internacional.
A Assespro Nacional (Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação) quer que os pedidos de informações protegidas, como conversas privadas, sejam feitos somente por meio do acordo de cooperação internacional, executado no Brasil pelo Ministério da Justiça. Nessa modalidade, a pasta se dirige à autoridade correspondente nos EUA e esta solicita os conteúdos à empresa-mãe lá instalada.
No centro do debate está o Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT, na sigla em inglês) firmado entre o Brasil e os Estados Unidos. A entidade pediu para o Supremo Tribunal Federal declarar a constitucionalidade do decreto que formalizou o acordo em 2001.
Na ação ajuizada, a Assespro sustenta que vários tribunais brasileiros têm solicitado às filiais das empresas estrangeiras o repasse de conteúdo produzido pelos usuários, como mensagens e imagens.
Moro participou de uma audiência pública realizada na manhã desta segunda-feira (10) no STF. A audiência foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes, relator da ação que discute o tema.
No argumento da Assespro, as filiais brasileiras não possuem as informações, porque o banco de dados não fica no Brasil, e, se fornecerem diretamente conteúdos protegidos, poderão infringir a legislação americana.
Na prática, o que a entidade e as empresas esperam é que o Supremo tome uma decisão que proíba juízes de requerer diretamente às filiais brasileiras os conteúdos dos seus clientes. A audiência pública serve para o tribunal coletar informações das partes interessadas antes de decidir. Não há prazo para o julgamento.
Do outro lado, um levantamento do Ministério da Justiça mostra que, de 2016 a 2019, apenas 26% dos pedidos de cooperação (ou 27 de 102 casos) foram cumpridos total ou parcialmente. O tempo médio de cumprimento foi de dez meses —prazo considerado longo demais por representantes da Polícia Federal e do Ministério Público.
“O MLAT tem sido realmente importante, mas está longe de ser um instrumento perfeito de cooperação”, disse Moro.
“A avaliação do Ministério da Justiça é de que o artigo 11 da lei 12.965/2014 [Marco Civil da Internet] deixa clara a viabilidade de que uma corte brasileira tem a competência, a jurisdição para emitir uma ordem de produção de conteúdo da internet a uma empresa que tenha filial no Brasil, ainda que sua sede seja no estrangeiro”, defendeu.
Moro disse que a solicitação dos conteúdos diretamente às filiais brasileiras, em paralelo ao MLAT, é um mecanismo que tem funcionado bem, “com resistências pontuais”. O ministro afirmou que, quando era juiz federal, fazia pedidos assim ser nunca ter tido problemas.
O delegado Isalino Giacomet Júnior, que falou pela Polícia Federal, disse que a legislação dos EUA tem dificultado o repasse de informações para fins de investigação criminal por meio dos acordos de cooperação.
“Ao contrário do que se alega, pelo MLAT não há uma resposta em nível satisfatório e em tempo razoável. Os pedidos baseados no MLAT são cumpridos de acordo com a lei do país requerido. Isso faz com que a lei americana, que é mais restritiva, prevaleça”, afirmou.
“O que se espera é que as companhias que venham [ao Brasil], além de exercer sua atividade comercial, intensifiquem sua colaboração com as autoridades nacionais. Poderiam, talvez, vir ao Brasil trazendo seus bancos de dados dos usuários localizados em território brasileiro”, sugeriu.
A Assespro Nacional foi representada na audiência pública pelos ministros aposentados do STF Carlos Ayres Britto e Francisco Resek, que defenderam o uso exclusivo do acordo de cooperação.
Para Resek, juízes têm solicitado os conteúdos diretamente às filiais brasileiras como uma espécie de chantagem para forçar as matrizes a repassar os dados.
A diretora jurídica do Facebook Inc. (nos EUA), Andrea Kirkpatrick, disse que a posição da empresa é que “o MLAT EUA-Brasil é constitucional, eficaz e deve ser o padrão aplicado pelos tribunais brasileiros em investigações criminais envolvendo busca por conteúdo de comunicações de usuários de aplicações sob o controle de empresas sujeitas às leis dos Estados Unidos”.
“Agir de outra forma seria obrigar empresas como o Facebook Inc. a arriscar violar a lei de seu país de origem, além de expô-las a outros riscos jurídicos no cenário doméstico e no exterior”, afirmou.
Segundo Kirkpatrick, se infringir a legislação americana, o Facebook poderá ser responsabilizado civilmente, por meio de ações judiciais de reparação de danos, ou ser alvo de ações de fiscalização de agências reguladoras estaduais ou federais.
Marlio Martins, diretor jurídico do Facebook Serviços Online do Brasil, disse que a empresa é associada indiretamente ao Facebook Inc. e não tem poder de fornecer dados de usuários para autoridades brasileiras.
“Nossa atuação é restrita a questões comerciais, como a venda de publicidade online, marketing e parcerias. O Facebook Brasil não opera ou controla as aplicações Facebook e Instagram. Nós não definimos ou aplicamos os Termos de Serviço e nós não temos autorização —do Facebook Inc. ou dos usuários das aplicações— para acessar dados de usuários.”
André Giacchetta, do Yahoo Brasil, sustentou que o Marco Civil da Internet, invocado por juízes para solicitar dados diretamente às filiais brasileiras das empresas, não exclui a aplicação de tratados internacionais como MLAT. (Reynaldo Turollo Jr./FolhaPressSNG)