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Fux, do STF, suspende juiz das garantias por tempo indeterminado, e Maia reage

Marcelo Camargo/Agência Brasil -
O ministro do Supremo Tribunal Federal, Luiz Fux
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O ministro Luiz Fux, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta quarta-feira (22), sem prazo definido, a implantação do juiz das garantias, nova figura criada pelo pacote anticrime aprovado no Congresso e sancionado em dezembro pelo presidente Jair Bolsonaro.

A decisão vale até que o plenário do Supremo analise o tema -não há prazo para que isso aconteça.

Fux revogou decisão do presidente da corte, Dias Toffoli, que no último dia 15 adiou a implementação do juiz das garantias por seis meses. Pela decisão anterior, a nova figura entraria em vigor em julho -a lei previa originalmente que fosse nesta quinta-feira (23), prazo considerado exíguo para o Judiciário se adaptar.

Além de prorrogar o prazo de efetivação do juiz das garantias, a decisão de Toffoli criava parâmetros para sua implementação --agora também revogados.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), reagiu e disse à reportagem que a decisão de Fux é "desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento". Já o ministro da Justiça, Sergio Moro, elogiou a medida.

"Eu acho que a decisão do ministro Fux é desnecessária e desrespeitosa com o Parlamento brasileiro e com o governo brasileiro, com os outros Poderes", afirmou Maia.

Para o deputado, depois de um primeiro semestre turbulento com embates entre Executivo, Legislativo e Judiciário, os Poderes haviam estabelecido relação harmoniosa. Segundo ele, essa decisão gera "perplexidade, indignação" do Congresso e é um mau sinal para investidores.

Maia afirmou ainda que Toffoli foi "o principal atacado hoje [quarta-feira]" e que o presidente do STF foi o "principal condutor" das conversas que levaram a uma pacificação das relações entre os chefes dos Poderes em 2019.

Ex-juiz da Lava Jato, Moro disse em rede social que nunca escondeu ser contra a figura do juiz das garantias.

"Cumpre, portanto, elogiar a decisão do Min Fux suspendendo, no ponto, a Lei 13.964/2019. Não se trata simplesmente de ser contra ou a favor do juiz de garantias. Uma mudança estrutural da Justiça brasileira demanda grande estudo e reflexão. Não pode ser feita de inopino".

Fux tomou a nova decisão depois que substituiu Toffoli no plantão do Supremo, que está em recesso. O ministro é o relator de quatro ações ajuizadas por entidades da magistratura e partidos políticos que questionam a constitucionalidade do juiz das garantias.

Para rever a decisão de Toffoli, Fux afirmou que, apesar de a lei ter sido aprovada pelo Congresso e sancionada por Bolsonaro, o Judiciário ainda precisa analisar a fundo sua constitucionalidade, o que deve ser feito por meio de decisão colegiada, e não individual.

"Imbuído de todas as vênias possíveis ao presidente deste tribunal, que louvadamente se dedicou a equacionar as complexas questões constitucionais destas ações durante o exercício do plantão judiciário, entendo, na qualidade de relator, que a decisão de Sua Excelência merece ser pontualmente ajustada, com vistas a resguardar a reversibilidade da medida cautelar e prestigiar a deliberação de mérito a ser realizada oportunamente pelo plenário", escreveu Fux.

Pela nova lei, o juiz das garantias será responsável por acompanhar os inquéritos, analisando pedidos de quebra de sigilo e de prisão provisória, por exemplo, até o recebimento da denúncia. Esse juiz não poderá atuar na fase posterior, da ação penal.

Defensores da criação da nova figura afirmam que ela ajudará a assegurar a imparcialidade do Judiciário.

Como Fux é o relator do caso, o assunto entrará na pauta do plenário do STF somente quando o ministro decidir apresentar suas considerações. No caso do auxílio-moradia recebido por juízes, Fux concedeu liminares (decisões provisórias) em 2014, e só tomou uma decisão definitiva, revogando-as, em 2018, após o então presidente Michel Temer sancionar reajuste salarial de 16,38% para o Judiciário.

Diferentemente de Toffoli, que já havia considerado o juiz das garantias constitucional, Fux entendeu que a criação da nova figura invade o campo de atuação dos tribunais nos estados, o que não pode ser feito por lei federal.

O ministro afirmou que, hipoteticamente, se a lei entrasse em vigor no prazo, poderia gerar um colapso na Justiça criminal do país, com a redistribuição dos processos de um juiz para outro, por exemplo.

"Essas questões práticas ganham outra dimensão quando se verificam realidades locais, relativamente à ausência de magistrados em diversas comarcas do país, o déficit de digitalização dos processos ou de conexão adequada de internet em vários Estados, as dificuldades de deslocamento de juízes e servidores entre comarcas que dispõem de apenas um único magistrado, entre outras inúmeras situações", disse.

Para Fux, a aprovação no Congresso não teve a participação de todos os entes interessados e "abreviou indevidamente uma discussão legislativa que deveria ter tomado amplitudes equivalentes aos seus impactos".

"Observo que se deixaram lacunas tão consideráveis na legislação, que o próprio Poder Judiciário sequer sabe como as novas medidas deverão ser adequadamente implementadas. O resultado prático dessas violações constitucionais é lamentável, mas clarividente: transfere-se indevidamente ao Poder Judiciário as tarefas que deveriam ter sido cumpridas na seara legislativa", afirmou.

Fux também rebate o argumento de que a existência do juiz das garantias contribuirá para garantir a imparcialidade das decisões do Judiciário.

"A existência de estudos empíricos que afirmam que seres humanos desenvolvem vieses em seus processos decisórios não autoriza a presunção generalizada de que qualquer juiz criminal do país tem tendências comportamentais típicas de favorecimento à acusação."

Além do juiz das garantias, Fux suspendeu a entrada em vigor de outros dispositivos do pacote anticrime até que o plenário do STF os analise.

O primeiro deles é o que altera o artigo 157 do Código de Processo Penal para prever que um juiz ciente de prova considerada inadmissível não pode dar a sentença; o segundo trata de alteração de procedimento para arquivamento de inquérito policial; e o terceiro é o que libera da prisão o suspeito que não passar por audiência de custódia em um prazo de 24 horas. (Reynaldo Turollo Jr. e Angela Boldrini/FolhaPressSNG)